Desporto

La CanchaA alegria

Nuno Ribeiro, Madrid

Tem a bola estados de alma? Influi a mente na mecânica do mais belo jogo? É possível o pontapé ser comunhão de sentimentos, ao ponto de os artistas se deprimirem? Parece razoável que as respostas sejam positivas. Há sinais nesse sentido, embora o negócio tenha ganho terreno ao espectáculo e se dissimulem as emoções. Pelo que se celebra quando a alegria surge no relvado.Não o riso tonto ou o contágio adolescente da gargalhada sem fundamento. Tão-pouco pela troça do mais débil, à custa do mais fraco. Muito menos, quando celebra o falhanço alheio. Raios: trata-se apenas de um jogo, de mero desporto. É da felicidade que se trata. A felicidade de ter prazer a jogar, para além do resultado. Pode ser encarada como intenção pueril, no mundo profissionalizado e de sociedades anónimas do futebol, mas só quando o jogador tem prazer o sócio é feliz. Assim de directo. Se não vejamos.
Não é por acaso que, percam ou ganhem, os grandes estão sempre em estado de alerta. É a célebre tensão que contagia os artistas, e os faz entrar sobre a erva com a responsabilidade, esse palavrão que deveria ser reservado para coisas mais decisivas da vida. E são muitas. Quem observe a entrada dos 11 do Real Madrid ou do Barcelona em campo não encontra entusiasmo. Mas sim um passo acelerado e caras fechadas ao sorriso.
Não se deixem enganar pelas imagens. Se Ronaldinho parece sorrir, é pela proeminência dos dentes, não pelo que lhe vai na alma. Se não, observem Deco ou Raúl González, mesmo o mais expressivo Maxi López, ou o mediterrânico Zidane. Há casos extremos. Os que chegam a aparentar tristeza: caso de Puyol ou de Figo. E todos são bons, ricos, jovens e fazem o que gostam. Parece incompreensível.
Ou gesto de transcendência, que nada tem que ver com o que está em jogo: um entretenimento. Mas na bola é assim. Caras às vezes que roçam o sofrimento, sinais de tristeza ou enfado, como se estivessem obrigados. Nada lúdico. O bom jogador, que Jorge Valdano definiu como mestre da arte da simulação, contagia o que lhe vai na alma. Assim, mesmo que estejam na frente, os madridistas e os "culés" assistem aos jogos com tensão imprópria de um momento de lazer. Qual a causa, para além da propalada responsabilidade?
No domingo à noite, houve uma resposta. Os jogadores do Valência estavam felizes e jogaram felizes. O que mudou na equipa foi o técnico, a oitava destituição da época: parece que festejavam a ausência de Claudio Ranieri. Mas nada havia de pessoal contra o antigo treinador. Apenas e só apenas, no campo, foi celebrada a liberdade recuperada do espartilho do esquema.
Foi assim que o argentino Pablo Aimar, mais o murciano Miguel Angel Martinez - Mista -, juntos ao brasileiro Fábio Aurélio inventaram o golo da vitória dos seus com o Bétis. Criaram, improvisaram e arriscaram. Mesmo o português Marco Caneira, a quem a vida tratou mal, estava solto e participava. A aposta contagiou os adeptos, e esta comunhão é imparável. Pena é que, na bola, haja mais frases de dirigentes e treinadores que palavras dos artistas. Quando tal acontece, a alegria está garantida.

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