Santana anuncia abertura de Monte Real à aviação civil sem conhecimento do INAC

Foto
O INAC assegura que são necessárias obras para converter a base militar de Monte Real numa estrutura que acolha aeronaves civis David Clifford/PÚBLICO

O Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC), a autoridade aeronáutica nacional, não dispõe de qualquer processo de certificação da base aérea de Monte Real, que na passada segunda-feira, o primeiro-ministro Pedro Santana Lopes anunciou que iria abrir ao tráfego civil dentro de um ano.

Um porta-voz do INAC disse ao PÚBLICO que, como se trata de "projecto de intenções", ainda não é necessário que o instituto tenha o processo aberto, mas esclareceu que, a ser concretizado, o caso tem que passar obrigatoriamente pela autoridade aeronáutica. O gabinete do primeiro-ministro rejeita, no entanto, que o anúncio tenha sido um projecto de intenções, preferindo dizer que se trata de um "objectivo que carece de determinados passos para a sua concretização".

O aval do INAC será determinante para a abertura da base aérea militar de Monte Real, em Leiria, à aviação civil. Isto porque como as normas da aviação militar não coincidem com as da aviação civil, deverão ter que ser realizadas obras para tornar esta intenção viável. Neste momento o INAC não possui um levantamento das eventuais anomalias, porque não foi aberto qualquer processo de certificação da base, não sendo possível, por isso, prever uma data para o início das operações civis.

Enquanto funcionário da ANA, o arquitecto António Matos Gomes fez uma visita à base há quase dez anos com o objectivo de fazer esta avaliação e não tem dúvidas que será preciso fazer grandes obras. "Vai ser necessário adaptar a estrutura à descolagem de aviões comerciais, além de construir a aerogare e a dotar de todos os equipamentos necessário", sustenta Matos Gomes. O arquitecto lembra ainda que o processo não avançou porque a base de Monte Real é muito activa, tornando-se difícil conciliar os objectivos militares com os da aviação comercial.

A Forças Aérea Portuguesa (FAP) admite que, em termos operacionais, esta é a principal base militar do país. Lá estão estacionados, por exemplo, os F16 que fazem parte do nosso dispositivo de defesa. "Como no caso de Beja, estamos disponíveis para abrir a base à aviação civil, desde que não afecte a nossa actividade operacional", salvaguarda o porta-voz da FA. O militar acrescenta que o acordo firmado esta semana é genérico, não tendo sido ainda avaliadas as limitações que será necessário impor.

O protocolo assinado pelo primeiro-ministro, pelo secretário de Estado da Defesa e pelo secretário de Estado adjunto Jorge Costa, em representação do ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, não omite esta preocupação.

A quinta cláusula admite restrições à aviação civil por "imperativos de defesa nacional, realização de exercícios militares ou trabalhos de manutenção inadiáveis" e prevê-se na claúsula dois a realização de um plano de desenvolvimento, que ainda estará sujeito à aprovação da FAP. Na quarta claúsula prevê-se que a certificação da nova estrutura caberá ao INAC.

O gabinete de Santana insiste que não é estranho que o INAC não tenha conhecimento da intenção do Governo. "Conforme está previsto na cláusula quatro do protocolo é óbvio que a certificação será efectivada pelo INAC", afirmou um porta-voz do primeiro-ministro. O mesmo assessor insistiu que o protocolo não é um projecto de intenções e precisou que "é um objectivo que carece de concretização".

O porta-voz alegou ainda que Santana escolheu esta altura para fazer o anúncio porque é preciso começar por algum lado e lembrou que o protocolo não implicou custos. O próprio primeiro-ministro admitiu anteontem que o evento foi decidido apenas no domingo à noite, razão pela qual não contou com a presença do ministro da Defesa, que se encontrava na Madeira em campanha eleitoral.

Operadores turísticos criticam "fait-divers" de campanha

Para a Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), uma das eventuais interessadas na abertura do aeródromo, o anúncio não passa de um "'fait-divers' de campanha". "É apenas uma ideia que não irá avante", acredita Vítor Filipe, presidente da APAVT. "O importante era qualificar o aeroporto de Lisboa e o de Faro que estão com graves deficiências. Em Lisboa não existe nenhuma manga para aviões de longo curso", exemplifica Vítor Filipe. Os autarcas da região tem um entendimento diferente e exigiram ontem que o próximo executivo cumpra a promessa de Santana.

O presidente do Aeroclube da Figueira da Foz, José Almeida, também defende que a mudança seria benéfica para a região, mas não esconde o cepticismo. "Já se fala nesta hipótese há dezenas de anos, foram feitos vários estudos e a ideia não avançou. Agora num clicar de dedos vai ser possível", ironiza.

Sugerir correcção
Comentar