Dúvidas sobre inscrição em túmulo de D. Pedro

Ano Inês de Castro

"Até ao fim do mundo" ou "Aqui espero a fim do mundo"?

O significado da inscrição numa das faces do túmulo de D. Pedro, no Mosteiro de Alcobaça, foi tema de debate, no fim-de-semana, na Biblioteca Municipal da cidade, onde este ano decorrem, paralelamente com Coimbra e Montemor-o-Velho, as comemorações dos 650 anos da morte de Inês de Castro (em Coimbra, a 7 de Janeiro de 1355).Além das edículas com passagens da vida de S. Bartolomeu, há um conjunto de letras que têm sido interpretadas como significando "Até ao fim do mundo", tese defendida por Afonso Lopes Vieira e Vieira Natividade. A frase seria um testemunho, ao mesmo tempo emblemático e poético, que contribuiria para afirmar a dimensão mítica do amor de Pedro por Inês.
Os túmulos colocados no transepto do mosteiro estão voltados um para o outro e, no dia do Juízo Final - uma composição escultórica colocada na face inferior do túmulo de Inês de Castro -, os dois ficariam face a face.
No sábado à tarde, Justino Mendes de Almeida, investigador da Academia Portuguesa de História - instituição que organizou o colóquio -, retomou a tese defendida em 1928 por António Vasconcelos, que na sua obra "Inês de Castro", após a realização de análises epigráficas, concluiu que a frase ali inscrita deverá antes ser lida como "Aqui espero a fim do mundo". A palavra "fim" aparece no feminino, tal como na língua francesa. Justino de Almeida diz ser esta a interpretação que mais se aproxima da epigrafia romana e, em seu entender, a leitura mais correcta.
Muitos dos academistas e investigadores presentes em Alcobaça aceitam esta interpretação, mas ressalvam que ela não significa uma rejeição da outra leitura. "Para a poesia a frase é um símbolo, e da cabeça dos poetas ninguém tira a frase", disse Maria Leonor Machado de Sousa, conhecedora profunda da obra inesiana. Saul Gomes considera que a inscrição epigráfica não é clara: "A falta de homogeneidade entre os caracteres pode significar que o escultor não percebeu a frase que lhe foi dada. Por esse motivo", adianta, "não é possível determinar concretamente o que lá está inscrito." Miguel Corrêa Monteiro entende, por sua vez, que toda a especulação é legítima. "O rigor da História nem sempre se projecta no sonho", diz. Mais importante é, em seu entender, que em qualquer leitura não se perca o sentido mais profundo e poético da própria História. Diferente é a interpretação de Luís Rosa, outro historiador, que vê na inscrição um significado cabalístico. D. Pedro era um personagem estranho, repentista, justiceiro... e com uma grande gaguez no falar. Para Luís Rosa, o autor do túmulo, eivado de algum contencioso com o seu tempo, teria escrito: "Aqui termina o mundo."

Um assassinato políticoA anteceder o debate sobre a inscrição tumular, os presentes abordaram a época de Inês de Castro e as razões da sua morte. Manuela Mendonça retomou a tese de o assassinato ter sido motivado pelas circunstâncias da política luso-castelhana, e pelos interesses dos reis D. Afonso IV e D. Pedro I, em Portugal, em contraste com os dos monarcas de Castela D. Afonso XI e Pedro "O Cruel" (sobrinho e homónimo do rei português). O espanhol teria contra si a família dos Castros, poderosos fidalgos galegos, numa altura em que Inês vivia a sua paixão pelo príncipe português D. Pedro. Do lado português, esta aproximação não foi bem vista por D. Afonso IV, e por isso o seu Conselho Régio ditou a morte de Inês. Razões de Estado ditaram a sua morte, portanto.
No colóquio, Jorge Pereira de Sampaio falou ainda da iconografia inesiana, e Mariana Leonor Machado de Sousa evocou as "Trovas à Morte de Dona Inês de Castro", de Garcia de Resende. João Abel da Fonseca realçou, por último, que todas as casas reais actualmente existentes na Europa descendem de Inês de Castro, uma vez que todas têm ascendentes em Filipe II, rei de Espanha e de Portugal nos finais do século XVI.

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