Amiga de Ramón Sampedro contou como o ajudou a morrer, agora que o delito prescreveu

Nova revelação no caso do tetraplégico que lançou o debate sobre a eutanásia em Espanha e inspirou o filme "Mar Adentro", candidato aos Prémios Goya e talvez aos Óscares

Ramona Maneiro, a mulher que acompanhou os últimos três anos de vida do tetraplégico galego Ramón Sampedro, revelou como o ajudou a morrer. Foi num programa de televisão que, ao som de suaves acordes de piano, Ramona relatou a forma como, faz hoje sete anos, e seguindo as indicações do velho marinheiro, lhe preparou a fatal mistura. "Eu era as suas mãos", explicou.Dias antes de pôr termo à vida, um acto pensado durante anos, Ramón Sampedro começou uma informal despedida. "Ele dizia [aos amigos] que ia de viagem", afirmou Ramona Monteiro. Depois, revelou o que se passou em 12 de Janeiro de 1998. "Esmaguei uma aspirina e coloquei o pó num dos pratos da balança, no outro pus igual quantidade de cianeto, deitei a quantidade de água que ele me dizia num copo [invólucro de iogurte] e deixei uma palhinha", relatou. Por fim, uma advertência: "Ele disse-me uma coisa importante - "depois de beber não me beijes os lábios"."
Concluída a preparação, Ramona ligou a câmara de vídeo que registou as últimas palavras de Sampedro, uma gravação que serviu de prova para demonstrar que ele bebia a mistura de livre vontade. "Não sei quem lhe aconselhou o cianeto, pensei que ao fechar os olhos adormeceria como sempre", prosseguiu o relato.
Há sete anos, Ramona saiu do quarto da casa na localidade de Boiro depois de Ramón beber e após demoradas trocas de olhares: "Tive que me escapar, a única coisa que lhe dizia era "até logo, querido"." No entanto, admite que o fim não foi o idealizado pelo tetraplégico: "Creio que ele sofreu no momento da morte."
Só agora Ramona Maneiro, que chegou a estar detida, revelou, com carinho, o seu papel na morte digna que Ramón Sampedro reivindicava depois de, ainda jovem, um mergulho mal calculado na água o atirar para a cama: "Por amor fiz duas coisas na vida, ter o meu filho e estar ao lado de Ramón. Ele sempre estará no meu coração." O momento escolhido para esta divulgação corresponde ao prazo de prescrição do delito, em 12 de Novembro passado.
A família de Sampedro reagiu com desconcerto. A cunhada Manuela Sonles, que se ocupou de Ramón durante 30 anos, não mostrou surpresa: "Toda a gente sabia que era ela a assassina de Sampedro." Contudo, está indignada: "Se só agora diz a verdade, ou foi por dinheiro ou para se tornar famosa." A família, diz Sonles, está a favor da eutanásia, mas não do veneno.
Após a morte de Sampedro, Ramona Maneiro participou em diversas iniciativas a favor da eutanásia em Espanha. Os socialistas, agora no poder, comprometeram-se no programa eleitoral a estudar o direito à eutanásia e a uma morte digna. Em Setembro, com os votos de todos os partidos à excepção do PP, foi constituída no Parlamento uma comissão de estudo. O que levou a Conferência Episcopal espanhola a promover uma campanha e a lançar acusações ao Executivo. "Já por diversas vezes e de forma clara o Governo afirmou não ter prevista a regulamentação da eutanásia", reiterou, na segunda-feira, a ministra da Saúde, Elena Salgado.
A história da vida de Ramón Sampedro inspirou o último filme de Alejandro Amenábar, "Mar Adentro", com Javier Bardem no papel do protagonista. Para além de candidato a 15 prémios Goya, a serem atribuídos no final deste mês, o trabalho de Amenábar está na rota do Óscar de Hollywood e já foi galardoado com dois prémios do cinema europeu e com o Leão de Prata do Festival de Cinema de Veneza.

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