Liberalização do comércio mundial de têxteis e vestuário começa este ano

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Alberto Castro: "Haverá uma crise transitória, mas a médio prazo o tecido empresarial emergirá mais forte" Fernando Veludo/PÚBLICO

Qual o futuro da indústria têxtil em Portugal? Estarão as empresas preparadas para enfrentar a concorrência da China? O fim das quotas no mercado internacional de têxtil e vestuário entrou em vigor oficialmente no primeiro dia deste ano, mas é a partir de hoje que efectivamente deixa de haver limitações às importações para a União Europeia. No ar paira o fantasma do encerramento de empresas e do crescimento dos níveis de desemprego, em particular nos países com economias mais frágeis como é o caso de Portugal.

Mas será assim o futuro tão sombrio? Respostas directas não há, mas Augusto Mateus, ex-ministro da Economia e um estudioso da matéria, aponta como caminho para as empresas nacionais "a aposta na resposta rápida, no 'design', nos produtos de valor acrescentado e no posicionamento em mercados dinâmicos".

O problema, acrescenta, poderá residir no facto de a indústria têxtil e vestuário ter investido "excessivamente em equipamento e pouco do ponto de vista da qualificação dos recursos humanos". Opinião idêntica tem António Carranca, do Sindicato Democrático dos Têxteis, para quem, "numa primeira fase, o dinheiro foi bem investido na parte tecnológica, mas depois falhou o investimento na parte da comercialização e da formação".

Apesar de satisfeito com o recente acordo entre sindicatos e associações empresariais, que elaboraram um documento para a defesa do sector, este sindicalista critica a inércia dos patrões nos últimos anos: "Propusemos diversas vezes, em sede de negociação colectiva, que se reservasse uma parte das verbas das empresas para formação profissional, mas isso nunca foi aceite. A formação era vista como um custo e não como um investimento e essa ainda é uma grande lacuna."

O Acordo de Têxteis e Vestuário entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1995 e contemplou quatro fases de desmantelamento das quotas do têxtil e do vestuário no seio dos países da Organização Mundial de Comércio (OMC), etapas que foram sendo cumpridas gradualmente. No entanto, a entrada da China na OMC mudou as regras do jogo e mais de meia centena de países uniram-se este ano em torno da Declaração de Istambul para tentarem adiar para 1 de Janeiro de 2008 a última fase da abolição das quotas. A meta não foi atingida, mas teve o mérito de alertar a opinião pública para o problema.

"Tecido empresarial emergirá mais forte"

Paulo Nunes de Almeida, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, recorda que nas reuniões dos países da Declaração de Istambul a entrada da China nos mercados europeu e norte-americano é uma preocupação comum. "Vemos países com características e níveis de desenvolvimento completamente diferentes: a Itália, que sofreu uma queda enorme nas exportações em 2003 e 2004, a Espanha, a França, a Bulgária, os EUA, o México, a Turquia... Somos nós que estamos assim tão mal?"


Augusto Mateus explica que as economias mais desenvolvidas foram protegendo o sector das economias emergentes através de restrições às quotas, mas que agora o cenário vai alterar-se. "As empresas que se prepararam e refizeram os seus factores de competitividade não sofrerão tanto com a abolição das quotas. As outras correm sérios riscos de desaparecer", afirma.

Recusando qualquer tipo de alarmismos, este antigo ministro da Economia recomenda uma "reestruturação da indústria têxtil e vestuário", que passa por ganhar "maior flexibilidade, ou seja, não estar a produzir sempre a mesma coisa".

Contrariamente ao defendido por diversos especialistas, Augusto Mateus não acredita que a deslocalização seja a chave para o sector. "Isso é feito por empresas de grupos transnacionais. As empresas portuguesas, na sua maioria, são de base nacional e não controlam as exportações até à sua fase final", declarou.

Quanto à possibilidade de a União Europeia accionar cláusulas de salvaguarda, à semelhança do que fizeram os Estados Unidos, o ex-governante tem sérias dúvidas. Isto porque, além da divisão entre os países que não produzem têxtil e os que lutam pela preservação do sector, há ainda "interesse em fazer trocas com a China em áreas como as telecomunicações".

Alberto Castro, professor da Universidade Católica, mostra-se céptico em relação ao futuro, pois acredita que, "em média, não foram tomadas as medidas necessárias para que a indústria têxtil e vestuário esteja minimamente preparada". E mesmo defendendo a existência de "alguma precipitação" no prazo para abolição das quotas, este economista diz que "a solução não era protelar indefinidamente esta abertura de fronteiras".

Na sua opinião, nem tudo será mau para o sector nacional: "O fim das quotas tem a virtualidade de os mais capazes sobreviverem, o que tornará o sector mais forte. Haverá uma crise transitória, mas a médio prazo o tecido empresarial emergirá mais forte."

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