Perícias de abuso sexual são feitas após o tempo oportuno

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O campo dos crimes sexuais é delicado e muitas vítimas esperam demasiado tempo até fazerem os exames Dulce Fernandes/PÚBLICO

Apenas 1,5 em cada dez perícias de abuso sexual feitas pelos gabinetes médico-legais do Norte do país realizam-se antes do tempo oportuno das 72 horas. O atraso, afirma um estudo que hoje será afixado no III Congresso Nacional de Medicina Legal, no Porto, tem a ver com a "inexistência de serviço para actos urgentes" e de "peritos a tempo inteiro".

O estudo faz a retrospectiva das perícias de natureza sexual efectuadas da delegação do Porto do Instituto de Medicina Legal (IML) e nos diversos gabinetes da região Norte, a única que já tem estas estruturas a funcionar em pleno. No primeiro semestre deste ano, registaram-se 147 casos, sendo que 82 por cento das vítimas eram menores.

O tempo oportuno, traduzível por "possibilidade de preservação de vestígios", está longe de ser ideal. Cerca de metade dos casos remetidos para a delegação do Porto (51,1 por cento) foram observados até às 72 horas. Os gabinetes só conseguiram cumprir esse tempo em 15,9 por cento das situações observadas.

O atraso "pode determinar o resultado final, uma vez que a maior parte dos exames são negativos", alertam os investigadores. A delonga explica-se pela renitência das vítimas em revelar este género de crime, mas também pela ausência de "serviço para actos urgentes nas áreas servidas pelos gabinetes médico-legais e pela inexistência de peritos a tempo inteiro" nestas novas estruturas.

O IML tem "os quadros preenchidos a 22 por cento", sendo que "o quadro de pessoal médico está a 10 por cento", disse ao PÚBLICO o presidente nacional do IML, Duarte Nuno Vieira. Depois de vários anos com as vagas congeladas, o Governo abriu 16 este ano. A este ritmo, o panorama dever-se-á "alterar em dez anos", prevê, frisando não haver condições para acompanhar mais internos do que os definidos.

Neste momento, estão a funcionar 22 dos 31 gabinetes médico-legais previstos. O Norte é a única zona do país que já tem uma cobertura completa. Até ao final do ano, a zona Centro poderá gabar-se do mesmo. Ficarão a faltar "seis na zona Sul", especificou.

Sem garantias de qualidade

As vantagens inerentes à criação dos gabinetes são múltiplas. "É preciso recordar que as comarcas tinham um perito uma vez por semana, uma pessoa podia ficar cinco ou seis dias à espera", exemplifica. "Fizeram-se autópsias dentro de cemitérios, contrariando condições de absoluta dignidade", continua. Os gabinetes asseguram um perito diário, ainda que em horário laboral, e "uma rede de frio" para conservar os corpos.

Ainda assim, Duarte Nuno Viera não tem ilusões. Por enquanto, "os gabinetes não garantem a qualidade absoluta das perícias", já que os profissionais que neles trabalham "não são necessariamente especializados em medicina legal". Para além de faltar um serviço de urgências, "não há apoio social nem psicologia forense" nos gabinetes. "Não tempos uma capacidade de intervenção tão abrangente, mas claro que os gabinetes beneficiam do apoio dos hospitais", ressalva o presidente do IML.

O campo dos crimes sexuais é delicado: "Precisávamos de ter gabinetes especializados abertos permanentemente, para analisar as vítimas de forma anónima", explica. Em seu entender, "isto levaria a um maior número de casos [denunciados]".

Sublinhando que a união das três delegações só ocorreu há cerca de três anos, Duarte Nuno Vieira anuncia que "o passo seguinte é dar formação especializada" a quem trabalha nos gabinetes. E pretende-se criar um sistema de telemedicina. Está já a funcionar, revela, um projecto-piloto na zona Centro. Os fundos comunitárias foram aprovados este mês.

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