Casa Pia: Souto Moura criticado por advogados e juízes

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José Souto Moura reacendeu velhas polémicas António Cotrim/Lusa

A declaração de Badajoz do procurador-geral da república em relação ao processo da Casa Pia gerou estupefacção nos meios jurídicos. José Souto Moura reacendeu velhas polémicas que marcaram este caso e voltou a lançar sobre si fortes críticas dos advogados. Os próprios juízes, através da sua associação sindical, rejeitam quaisquer responsabilidades e recordam que o inquérito era dirigido pelo Ministério Público.

Em declarações ao PÚBLICO, o desembargador Alexandre Baptista Coelho, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, recordou o facto de o processo ter sido avocado pelo PGR e disse: "Se houve falhas na investigação do processo da casa Pia elas são imputáveis ao MP que era a entidade que dirigia o inquérito", acentuou o líder da ASJP.

Os advogados, tanto o actual bastonário, José Miguel Júdice, como os três candidatos ao lugar foram mais contundentes nas críticas ao procurador-geral.

"A posição assumida pelo dr. José Souto Moura é incompreensível à luz das regras e dos princípios do Código de Processo Penal", afirma António Marinho Pinto, um dos três candidatos a bastonário da Ordem dos Advogados. "Se há alguém que tem razões de queixa da forma como decorreu o processo Casa Pia são pelo menos alguns dos arguidos e não as vítimas ou os representantes das vítimas". Segundo António Marinho Pinto, o PGR "fala como se o Ministério Público fosse assistente no processo e não é". "O MP é titular dos interesses punitivos do Estado, é titular dos interesses da sociedade portuguesa (e não das vítimas) em ver reintegrados os valores ofendidos com as eventuais condutas criminais imputadas pelo MP aos aguidos", afirmou Marinho Pinto.

Presunção de inocência

O advogado de Coimbra também não gostou da comparação feita pelo PGR quanto ao estatuto dos arguidos dos processos da Casa Pia e dos Açores sem atender à presunção da inocência. "O dr. Souto Moura fala como se estivessem provados os factos e a culpa de todos os arguidos, quando é certo que alguns deles já foram ilibados por decisão de magistrados judiciais".

"Com estas declarações, o dr. Souto Moura vem, mostrar que existe uma cultura de fundamentalismo justiceiro na cúpula hierárquica do MP, pois o que as suas declarações evidenciam é o que em linguagem político futebolística se denomina mau-perder", concluiu António Marinho.

João Correia, outro dos candidatos à liderança da Ordem dos Advogados, faz uma leitura diversa. "O mundo judiciário não estava preparado para um embate com as características do processo da Casa Pia, ao contrário da comunicação social", diz. E explica : "A comunicação social agia com toda a agilidade, quer em função das vítimas quer em função dos arguidos, ao passo que os magistrados e os advogados e respectivas associações não se souberam preservar e ganhar autonomia no processo de formação da respectiva vontade. Portanto perderam o combate".

Rogério Alves, que também concorre à sucessão de José Miguel Júdice, encara as palavras de Souto Moura como uma "crítica e uma auto-crítica, quer ao segredo de justiça e à forma como ele é maltratado, quer aos defeitos que são patentes nas investigações e relações entre aqueles a quem compete guardar o segredo e a comunicação social". Rogério Alves salienta que o exercício do direito de defesa não pode transformar o advogado em "mero figurante".

"No quadro da lei e da ética, o advogado tem a obrigação de utilizar todos os meios admitidos para a cabal defesa do que julga ser de Direito", defende Rogério Alves, sustentando que a existência de arguidos que são figuras públicas " não significa, nem pode de maneira nenhuma significar, que na fase de investigação e de julgamento as pessoas sejam tratadas com diferença de direitos ou de prerrogativas". "Ou seja, o ser famoso e conhecido não pode ser motivo de vantagem nem de prejuízo", sublinha.

Rodrigo Santiago, advogado que durante bastante tempo patrocinou a defesa do embaixador Jorge Ritto discorda de Souto Moura, "quando o PGR afirma que é mais fácil perseguir o sr. Farfalha do que o senhor Carlos Cruz". "O procurador-geral está manifestamente a funcionar como advogado de defesa da instituição que chefia, a qual saiu muito ferida das pseudo-investigações que levou a cabo no processo da Casa Pia. Se o MP actuou mal a culpa, em último termo é do chefe, como não se cansa de acentuar Figueiredo Dias", afirmou Santiago.

O desembargador Alexandre Baptista Coelho também se demarca. Afirma que"as leis processuais que regem o processo da Casa Pia são as mesmas que regem qualquer outro processo". Partindo do pressuposto que "os cidadãos são iguais perante a lei", o líder da ASJP alerta: " Se as leis têm mecanismos que podem ser pervertidos o que há a fazer é reformá-las, tendo sempre em conta que isso não pode ser feito à custa dos direitos da defesa".

António Marinho Pinto lembrou a polémica gerada no processo da Casa Pia para serem assegurado "direitos tão elementares como o de informar os arguidos dos factos que determinaram a aplicação da prisão preventiva", o que motivou a intervenção do Tribunal Constitucional n o sentido de deferir as pretensões da defesa". "Seria bom é que todos os arguidos no processo penal português tivessem tão boas defesas como tiveram alguns dos arguidos do processo Casa Pia mas, pelos vistos, o MP gosta muito que a defesa seja cometida a advogados estagiários que ou ficam calados, ou se limitam a pedir aquilo que raramente é feito nos inquérito e na instrução: justiça", afirmou Marinho Pinto.

Rogério Alves aconselhou ainda o PGR a divulgar "as medidas que sugere na área da sua competência para corrigir os defeitos que assaca agora à condução destes processos". "É também altura de o poder político, que se deve manter alheado dos processos em concreto, ter uma palavra a dizer na forma como em Portugal se investiga", alvitrou Rogério Alves.

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