Cambodja vai julgar crimes dos Khmers Vermelhos

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Oitenta por cento dos cambodjanos apoiam o processo contra os dirigentes Khmers Andy Eames/AP

A Assembleia Nacional do Cambodja ratificou hoje uma lei que dá um passo importante para a constituição de um tribunal internacional para julgar ex-dirigentes do sanguinário regime de Pol Pot.

Um ano depois de um primeiro acordo com as Nações Unidas, a ratificação deste texto permitirá levar à barra do tribunal alguns antigos dirigentes dos Khmers Vermelhos, acusados de genocídio e crimes contra a humanidade sob a liderança de Pol Pot, entre 1975 e 1979. Estima-se que tenham sido assassinados dois milhões de cambodjanos.

"A Assembleia Nacional decidiu ratificar o acordo entre o Cambodja e as Nações Unidas sobre a lei que regerá o processo dos líderes Khmers pelos crimes cometidos sob o regime do Kampuchea Democrático", de 1975 a 1979, anunciou o presidente da Assembleia Nacional, o príncipe Norodom Ranariddh.

Os 107 deputados presentes só precisaram de uma manhã para votar a lei.

A ratificação teve de esperar mais de um ano, período ao longo do qual o Cambodja não dispunha de uma Assembleia Nacional devido à incapacidade dos partidos políticos para se entenderem sobre a formação de um Governo de coligação depois das eleições de Julho 2003.

"Aquilo de que estávamos à espera cumpriu-se", congratulou-se o primeiro-ministro, Hun Sen. Amanhã, conforme exigências judicias, serão votadas 26 emendas às leis cambodjanas por forma a legitimar a constituição de um tribunal, assegurou Sen.

Sem avançar datas precisas, o chefe do Governo revelou que o dia em que o processo começar vai ser decretado feriado nacional e que as audiências terão cobertura televisiva.

O texto agora aprovado terá ainda de passar pelo crivo do Senado, do Conselho Constitucional e do rei Norodom Sihanuk, formalidades que deverão durar apenas algumas semanas.

O antigo chefe de Estado do KD Khieu Samphan, de 72 anos, é um dos dirigentes que deverá ser julgado. O ex-responsável disse hoje à AFP que "apoia plenamente esta ratificação". "Vou poder lavar o meu nome. Estou pronto a colaborar com o tribunal", afirmou.

Esta ratificação permitirá à ONU anunciar rapidamente o orçamento total do processo, um número aguardado pelos países dadores que querem saber com quanto dinheiro devem contribuir.

Segundo uma dezena de sondagens independentes, 80 por cento dos cambodjanos apoiam este processo. O país ainda não ultrapassou o trauma de um dos piores genocídios do século XX, que tocou quase todas as famílias. cambodjanas

Para Yuk Chhang, director do Centro de Documentação do Cambodja, que acumula provas e testemunhos das atrocidades cometidas tendo em vista a realização deste processo, a ratificação desta lei dá às vítimas "alguma esperança de que a justiça seja feita" e mostrará se o Governo "está a ser sincero nesta procura de justiça".

O acordo rubricado com a ONU demorou anos a ser negociado e conheceu várias peripécias.

As discussões, que começaram em 1999, foram interrompidas pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, em Fevereiro de 2002, com o argumento de que as autoridades do Cambodja não ofereciam garantias de independência suficientes. Depois da votação de uma resolução proposta pela França e pelo Japão, as Nações Unidas retomaram as negociações que terminaram com um acordo histórico, assinado em Phnom Penh em Junho de 2003.

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