Edimburgo e a moda dos festivais no Reino Unido

Com o fim de Agosto, termina mais um Festival de Edimburgo e parte da cidade escocesa meio milhão de pessoas que entretanto deixou 200 milhões de libras (cerca de 300 milhões de euros) na economia local. De todos os festivais que decorrem em Edimburgo durante o mês - cinco no total -, o Fringe Festival das artes contemporâneas é o mais popular: só no ano passado a organização vendeu mais de um milhão de bilhetes para 1500 espectáculos realizados por 700 grupos nas áreas da comédia, teatro e dança. Mas estes números mostram que o Fringe é uma vítima do seu próprio sucesso, um festival democrático. Qualquer pessoa ou grupo pode montar um espectáculo, desde que pague uma pequena soma à organização (cerca de 300 libras, mais o aluguer de uma sala), tornando Edimburgo no palco perfeito para novos talentos: "Só este ano tivemos mil caçadores de talentos inscritos, agentes que marcam bilhetes para descobrirem novas vozes na área da comédia, música ou teatro", diz ao PÚBLICO Owen O'Leary, membro da organização. Hugh Grant, Jude Law e o americano Robin Williams foram alguns dos talentos estreados em Edimburgo. Emma Thompson, mais conhecida pelos seus papéis dramáticos, ganhou o prestigiado prémio de comédia Perrier em 1981. Mas quanto custa um festival destes para os artistas amadores? "É o nosso terceiro ano no festival, e só este ano é que vamos ganhar algum dinheiro", nota Orianne Messina, comediante das Four Bearded Ladies. O sucesso nas edições anteriores garantiu a estas quatro respeitáveis mulheres um espaço no segmento de comédia da BBC Radio 4. E isso traduz-se em potencial para patrocinadores: "O patrocínio que conseguimos este ano pagou-nos as despesas à partida; por isso, tudo o que ganhámos é lucro. Mas, nos anos anteriores, saímos daqui com dívidas. Feitas as contas, viver em Edimburgo durante o festival custa aos artistas entre seis e sete mil libras", continua Orianne. Por estas razões, o director do Fringe, Paul Gudgin, quer que a cidade invista mais dinheiro no evento, para criar melhores condições para artistas e turistas. "Nós precisamos de investimentos para criar uma aldeia de artistas, melhores transportes, recintos e serviços de informação que podem trazer lucros significativos não só para o festival como também para Edimburgo e para a Escócia em geral", acrescenta Gudgin. Outras cidades copiam EdimburgoA economia veraneante de Edimburgo tem atraído as atenções do resto do país, e há quem queira copiar o sucesso escocês para atrair mais turistas. O antigo centro industrial de Manchester está em plena conversão e à procura de algo parecido. Por isso, a cidade inglesa vai injectar dois milhões de libras na organização de um programa de artes que aproveite as estruturas construídas recentemente para os Commonwealth Games de 2002. Quer isto dizer concorrência? "A cidade de Edimburgo tem sido negligente com os festivais", diz Catherine Lockerbie, directora do Festival Internacional do Livro. "Manchester vai conseguir muito dinheiro, enquanto apenas 18 por cento do financiamento do festival do livro é feito por dinheiros públicos", continua Lockerbie. O Fringe, que lidera o mercado das audiências nos festivais de Edimburgo, com 73 por cento de bilhetes vendidos, não está em melhor posição de financiamento. Recebe apenas 65 mil libras de dinheiros públicos. Em contrapartida, o Festival Internacional de Edimburgo (que abrange as artes clássicas), a decorrer também em Agosto, recebe 2 milhões de libras. Perante tais discrepâncias, os directores dos vários festivais uniram-se numa campanha de "lobby". "Estamos a formar uma associação para mostrar ao Governo escocês e à cidade de Edimburgo que é preciso investir algum dinheiro em coisas de que todos os festivais precisam em igual medida: pessoal, vendas de bilhetes, alojamento para artistas e autores", diz Lockerbie. No Reino Unido está actualmente em curso um movimento de reconversão das cidades que decaíram com a morte da indústria tradicional britânica. Algumas estão à procura de novas populações, criativas e cosmopolitas, uma espécie de microcosmos de Londres. Para isso incentivam bairros boémios, espaços de cultura e animação gastronómica. Glasgow, Newcastle, Leeds, Liverpool e Manchester perseguem a agenda cultural, uma tendência que começou nos anos 90 com as Capitais Europeias da Cultura. Franco Bianchini, director de investigação na unidade de planeamento cultural da De Monfort University, tem dúvidas sobre este crescimento dos programas culturais: "A questão é que a promoção das cidades através das capitais da cultura é limitada. O problema das cidades industriais britânicas ainda não foi resolvido - e é difícil por causa do clima, dos preços elevados e de os níveis de serviço no Reino Unido não serem muito bons". E não existem garantias de que iniciativas como as de Manchester venham a dar resultados. Segundo Bianchini, Edimburgo cresceu organicamente e tem vantagens incomparáveis: "É uma das cidades mais bonitas do Reino Unido, tem paisagens soberbas e uma localização inigualável. Um festival em Edimburgo será sempre um sucesso, porque a cidade em si mesma já atrai turismo".O campo é palco do pop-rockMas nem só nas cidades aterram festivais. Um outro modelo que teve sucesso e se estendeu a várias partes do país foi o dos festivais pop e rock. Longe vão os dias do espírito contestatário que viu Joan Baez aterrar na ilha de Wight para o primeiro festival de música britânico em 1970. Hoje em dia, os festivais de música são gigantescas operações logísticas, mas, ao contrário do que as previsões chuvosas levariam a acreditar, o clima não tem sido um entrave. Pelo contrário, o lamacento Festival de Música de Glastonbury recebe mais tendas, mais carros e mais pessoas a cada ano que passa, e talvez por isso os botins tenham passado a ser moda. Alguns chamam a atenção para a comercialização dos festivais, hoje conformistas e longe do espírito inovador do início. O editorial do diário britânico "The Guardian" escrevia há dias que "quando Glastonbury passa a receber Paul McCartney, Basement Jazz e a Ópera Nacional de Inglaterra, há que desconfiar". Os festivais tornaram-se um fenómeno da classe média, um circuito da "séason" de Verão que agrupa filhos e pais unidos pelos géneros musicais que já nasceram há mais de 40 anos. E isso é tanto verdade para o teatro como para a literatura, a música, as corridas de cavalos ou as competições florais. Franco Bianchini pensa que a economia dos festivais vai sofrer um processo de reajustamento em breve: "Há demasiada competição. Existe a ideia de que as pessoas vão ter mais rendimentos e logo mais dinheiro para gastar em lazer, e também mais tempo. Isso é falso. A maioria das pessoas trabalha a tempo inteiro e durante longas horas. E quando chegar a recessão, estas indústrias vão sentir os efeitos".Enquanto esse dia não chega, a atracção pelos festivais continua.

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