Denúncias de crimes sexuais quadruplicaram ao longo do último ano

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Entre os crimes sexuais, são os delitos que envolvem menores que preocupam a Polícia Judiciária DR

Só em 2003, e exceptuando as denúncias relativas à Casa Pia e as que se reportam contra suspeitos conhecidos, a Polícia Judiciária (PJ) de Lisboa abriu 441 novos inquéritos - o quádruplo dos existentes até aí; a grande maioria (367) têm menores como vítimas.

"O aumento das denúncias relativas a crimes sexuais, que compreendem maioritariamente os que são praticados contra menores, mas também as violações de adultos e o lenocínio, fez com que a secção [da PJ] tivesse de ser reforçada, passando a contar com 14 investigadores", disse ao PÚBLICO um dos responsáveis da 2ª secção da Judiciária, inspector-chefe António Dias.

Antes da Casa Pia, explica, havia apenas quatro pessoas a trabalhar na área. Tinham-lhes sido distribuídos mais de 100 processos - um quarto dos que houve no ano passado. "Este ano, já no início do mês de Agosto, foi mesmo criada uma equipa de prevenção, constituída por duas pessoas (o que ainda assim é pouco), pronta a actuar a qualquer hora, para fazer a recolha imediata de quaisquer provas" neste âmbito.

Entre os três delitos que compõem os crimes sexuais, a principal preocupação da PJ incide sobre os menores (as violações de adultos participadas contra desconhecidos foram 56 e os casos de coacção sexual 18).

"Arranjou-se mesmo uma sala especial [nas instalações da PJ, em Lisboa] para interrogar as crianças", diz António Dias. As técnicas de interrogatório "são substancialmente diferentes, porque temos a percepção de que um menor raramente conta o que lhe aconteceu ou denuncia o autor do crime".

Nos serviços, explica, "existe mesmo um sistema de vídeo, que depois permite fazer uma análise mais aprofundada dos depoimentos e comportamentos das vítimas".

Apesar de reconhecer o grande aumento dos crimes sexuais denunciados, o mesmo responsável da PJ refere, no entanto, que também existe por vezes "algum empolamento" das situações. "A experiência que temos diz-nos que em 30 a 40 por cento dos casos os mesmos não passam de falsas denúncias".

Alguns exemplos destas situações: "Por vezes aparecem jovens a inventar histórias, porque querem sair da casa dos pais, porque estão insatisfeitos ou ainda porque se querem ver livres de alguém.

Mas também há situações decorrentes de processos de divórcio litigioso, em que um dos pais aproveita o facto de o filho ter passado um fim-de-semana com o outro para alegar eventuais violações ou outras cevícias de índole sexual".

Vítimas e autores de todas as classes sociais

Tanto as vítimas como os autores de crimes sexuais são provenientes das mais diversas camadas sociais. "É um delito que não tem muito a ver com o poder económico de cada um, mas mais com o nivel cultural", explica António Dias.


O inspector-chefe ressalva, contudo, que em muitos casos é possível encontrar suspeitos que procuram jovens mais desfavorecidos economicamente, aliciando-os com "prendas e até comida".

O responsável da Polícia Judiciária afirma que, entre os molestadores, é mais frequente encontrar indivíduos (sobretudo homens, embora também haja vários processos com mulheres suspeitas) com idades acima dos 40 anos. As vítimas, por sua vez, vão maioritariamente dos "dois ou três anos, até aos 11 ou 12" anos de idade.

Grande parte dos crimes sexuais cometidos contra crianças tem origem no seio da própria família. Ainda no ano passado o tribunal de Sintra pronunciou uma pena de 12,6 anos de cadeia contra um homem que violava o filho de dez anos, que fazia com que este o violasse e que, em várias ocasiões, chamava a própria mulher para participar em todos os actos.

Há, contudo, variantes. Existem, por exemplo, inúmeros casos em que os suspeitos são vizinhos das crianças e até os próprios professores.

"Estes casos [de violações no seio da própria família] são de risco efectivo para as crianças - e estamos convictos de que há crianças a serem violadas todos os dias - mas os de mais difícil investigação acabam por ser os praticados pelos violadores preferenciais, que são aqueles que procuram determinadas características nas vítimas, mesmo não as conhecendo, e que muitas vezes actuam com requintes de agressividade acentuada", explica ainda o inspector-chefe António Dias.

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