Destruição das cassetes "não impede investigação" Para Rui Pereira, membro do Conselho Superior do Ministério Público e antigo director do SIS, o desaparecimento das gravações feitas pelo jornalista do Correio da Manhã com fontes do processo da Casa Pia "não impede a investigação, apenas a dificulta". "Não se sabe se as gravações tidas como originais o eram na realidade. As gravações não têm um valor sagrado, estão sujeitas, tal como os duplicados, ao princípio da apreciação da prova pelo julgador", justifica o jurista, professor convidado da Universidade Nova de Lisboa. No caso destas gravações, podem estar em causa dois tipos de crimes, um semi-público, o das gravações de declarações não autorizadas, que só pode ser perseguido se houver queixa - e, nesse caso, as provas servem como meio de prova - e um crime público, de violação do segredo de justiça - em que as gravações podem ser usadas apenas como meio de investigação. Quanto à destruição, noticiada ontem pelo "Comércio do Porto", das cassetes das conversas do jornalista do "Correio da Manhã" com as suas fontes, a propósito do mesmo processo da Casa Pia, "se o foram pelo próprio, não há ilícito criminal, mas se foram destruídas por outras pessoas, pode estar-se perante um crime de favorecimento pessoal, o antigo crime de encobrimento", considerou ainda Rui Pereira. No crime de favorecimento pessoal, segundo o artigo 367º do Código Penal, incorre quem "total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança". Este crime é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. |
Octávio Lopes põe sob suspeita redacção do "Correio da Manhã"
Esta tese consta dos requerimentos dirigidos aos juízes das varas cíveis de Lisboa, a requerer as proibições de divulgação do teor das cassetes pela "Focus" e pelo semanário "O Independente", nas quais Octávio Lopes assegura que as cassetes estavam na sua secretária, no interior de uma gaveta, que abria quando chegava ao jornal e fechada à chave quando saía.
As gravações terão sido subtraídas, contra a sua vontade, quando o jornalista saía em reportagem ou abandonava a secretária, assegura Octávio Lopes, colocando sob suspeita colega(s) ou/e frequentador(es) autorizado da redacção daquele matutino.
Há duas semanas, recorde-se, o jornalista do CM apresentou no DIAP de Lisboa uma queixa-crime por alegado furto das gravações. O esclarecimento do caso afigura-se relativamente simples pelo facto de Octávio Lopes restringir as suspeitas ao universo de quem estava autorizado a franquear as portas da redacção do CM.
Num comunicado difundido há duas semanas, Octávio Lopes afirmava: "Tais gravações foram-me furtadas, tendo já sido apresentada a competente queixa-crime". Acontece que o alegado autor do furto não se terá apropriado efectivamente das cassetes, mas do respectivo conteúdo, razão que terá evitado que o jornalista desse mais cedo conta do furto e/ou reprodução dos diálogos.
Esta versão parece ser a mais provável, pois as cassetes não terão levado sumiço e, segundo noticiava ontem um matutino portuense, "O Comércio do Porto", o arquivo fonográfico criado por Octávio Lopes terá sido destruído, a conselho do advogado da empresa proprietária do CM. O PÚBLICO tentou em vão, durante o dia de ontem, contactar com responsáveis deste jornal para tentar obter um esclarecimento sobre a situação.
A confirmar-se a destruição das cassetes usadas pelo jornalista do CM para gravar sem o consentimento da maioria dos seus interlocutores dezenas de horas de diálogos com as mais variadas fontes do processo da Casa Pia, ela terá sido facilitada, conforme sustentaram ontem várias fontes contactadas pelo nosso jornal, pela lentidão do Ministério Público. O episódio da destruição das cassetes está a ampliar ainda mais a perturbação nos meios políticos e judiciais, por estar em causa o corpo de delito de vários crimes (gravações ilícitas, violação de segredo de justiça e difamação através da comunicação social).
A hipotética destruições das cassetes com as conversas é tanto mais estranha quanto, segundo afirmou esta semana o procurador geral da República, José Souto Moura, há um inquérito pendente no DIAP de Lisboa desde o passado dia 6 de Agosto. E nas últimas duas semanas houve tempo mais que suficiente para acautelar aquela prova documental que poderá, apesar de tudo, não causar danos irreversíveis à investigação (ver declarações do penalista Rui Carlos Pereira nesta página).
"O Independente" proibido de voltar a falar nas gravaçõesDepois da revista "Focus" também o semanário "O Independente" foi proibido de publicar notícias sobre o conteúdo das gravações feitas pelo jornalista Octávio Lopes com várias fontes ligadas ao processo da Casa Pia, muitas das quais sem o consentimento dos respectivos interlocutores. A directora do semanário, Inês Serra Lopes, foi notificada ao fim da tarde de anteontem do deferimento de uma providência cautelar requerida pelo jornalista do CM junto do juiz da 3ª secção da 1ª Vara Cível de Lisboa.
O semanário dirigido por Inês Serra Lopes publicou há uma semana excertos de telefonemas entre Octávio Lopes e o ex-director nacional da Polícia Judiciária, Adelino Salvado, e com a ex-assessora de imprensa da procuradoria-geral da República, Sara Pina. E para prevenir que mais telefonemas fossem divulgadas na edição que hoje está nas bancas, o jornalista do CM accionou a providência cautelar, alegando que transcrições de novos telefonemas poderiam afectar o seu bom nome. Afirmava não estar disposto a correr o risco de ficar conhecido como um jornalista em quem não se pode confiar, por não saber acautelar as suas fontes.
A decisão judicial impede "O Independente" de tornar públicas outras declarações recolhidas por Octávio Lopes à revelia da vontade das suas fontes, muitas das quais exprimiram mesmo a vontade de só dialogar com o jornalista em "off" [the record], o que na gíria significa que o diálogo não é para ser gravado. Apesar destas restrições, dezenas de horas de diálogos ficaram gravados em cassetes e acabaram por cair no domínio público, em suporte digital.