Duas mulheres morreram em Alijó e Alpendurada às mãos dos maridos
O caso aconteceu na terça-feira, por volta das 20h00, quando, no interior da residência da família, localizada no Lugar do Tojal, em Alpendurada, no concelho de Marco de Canaveses, o alegado homicida disparou vários tiros de caçadeira, de calibre 12 mm, que atingiram fatalmente a mulher, de 43 anos, e feriram o próprio filho. A vítima mortal ainda foi transportada ao Hospital de Penafiel, mas não suportou os ferimentos e viria a falecer.
A criança, com ferimentos ligeiros nas pernas provocados pela arma de fogo, ficou internada naquela unidade de saúde. O homem fugiu após os disparos, mas acabou por se entregar, cerca das 22h35, no posto da GNR de Alpendurada, concelho de Marco de Canaveses.
À semelhança do que aconteceu em Alpendurada, também em Alijó, no concelho de Vila Real, uma outra mulher, de 30 anos, terá sido morta com um tiro alegadamente disparado pelo marido. O presumível homicida, de 37 anos, terá disparado sobre a mulher quando, anteontem, o casal viajava de carro entre as localidades de Vilarinho e Casal de Loivos, em Alijó.
Eram cerca das 01h30 de ontem quando o suspeito, trazendo a vítima dentro do automóvel, se entregou no posto da GNR de Alijó. À hora de fecho desta edição, o alegado homicida ainda estava a ser ouvido no Tribunal de Alijó, desconhecendo-se, portanto, a medida de coacção aplicada pelo juiz. Os motivos que terão levado à consumação destes dois crimes, ocorridos em Alpendurada e em Alijó, estão a ser investigados pelas autoridades.
Uma estatística negraNeste tipo de ocorrências, a estatística portuguesa é negra. Todos os anos, em média, 60 mulheres morrem às mãos do companheiro e outras 300 são vítimas de crimes contra a vida. Os números - o ano passado revelados pelo relatório Penélope, financiado pela Comissão Europeia - mostram que em matéria de violência doméstica Portugal não se distingue dos restantes países do Sul da Europa.
A visibilidade da violência doméstica tem crescido, de forma progressiva, ao longo da última década. "Lentamente, tem vindo a ser ultrapassada a concepção de que este é um problema da esfera da intimidade e, como tal, da responsabilidade exclusiva dos indivíduos e das suas famílias, para ser aquilo que já é reconhecido no nosso país como crime público", sublinha o Plano de Acção para a Saúde 2004, que reconhece que as respostas de saúde para a violência doméstica têm sido "manifestamente inadequadas, contemplando, essencialmente, aspectos de emergência médica" e esquecendo a vertente preventiva.
Os dados fornecidos pelo Ministério da Administração Interna confirmam a quebra do manto de silêncio, através do aumento sistemático das denúncias. Os postos da GNR e as esquadras da PSP registaram 11.162 queixas em 2000, 12.697 queixas em 2001, 14.071 queixas em 2002 e 17.427 queixas em 2003. Mas esta é apenas a ponta do "iceberg".
O Plano de Acção para a Saúde 2004, da responsabilidade da tutela, diz que, "por ano, 52 por cento das mulheres são vítimas de violência doméstica" em Portugal. E o crime tem, não raras vezes, consequências fatais: cinco mortes por mês, segundo o relatório Penélope, que avalia a situação dos países do Sul da Europa. Portugal não se diferencia de França, Itália ou de Espanha, mas destaca-se muito da média europeia: três mortes por mês.
A sociedade civil está a mobilizar-se para a luta contra a violência doméstica, com o apoio financeiro do Estado. Desde 2001 - data da alteração legislativa que tornou o crime público - houve uma espécie de explosão de respostas. Um levantamento efectuado o ano passado pela Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres revela que o país soma 17 casas-abrigo no continente, duas nos Açores e uma na Madeira. Há outras 14 estruturas que se identificam como tal, mas que não têm acordos atípicos com a Segurança Social. Paralelamente, e também no âmbito do Plano Nacional de Luta Contra a Violência Doméstica, tem crescido o número de centros de atendimento (prestam apoio jurídico, psicológico e social às vítimas).