Vírus do Nilo: "Na Europa os surtos têm sido esporádicos e as infecções humanas são poucas"

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Dores de cabeça intensas, febre, rigidez do pescoço, desorientação, convulsões são sinais de alerta DR
PÚBLICO - A pesquisa do vírus do Nilo Ocidental já tinha começado em Portugal antes de serem conhecidos os casos de infecção de dois turistas irlandeses?

AIDA ESTEVES - Sim. Na sequência do surto de Nova Iorque, em 1999, a Unidade de Virologia do IHMT apresentou um projecto de vigilância à Fundação para a Ciência e Tecnologia e o projecto foi aprovado. Em colaboração com a Unidade de Entomologia Médica, foram colhidos mosquitos em todo o país e pesquisados arbovírus, vírus transmitidos pela picada de artrópodes. Até à data, fizemos a pesquisa para a família "Flaviviridae", em que o vírus do Nilo se integra. Testámos mais de 30 mil mosquitos.

Não encontraram vestígios do vírus do Nilo?

Todos os mosquitos deram negativo para Flavivirus. O projecto decorreu em 2001, 2002, 2003 e era para ter acabado na última Primavera, mas pedimos a prorrogação do prazo. Na sequência do alerta da rede europeia, fizemos novas colheitas de mosquitos na região da Ria Formosa.

É uma região muito vasta...

Focámo-nos mais na zona onde tinham estado os turistas irlandeses, ao pé da Quinta do Lago, do observatório e do centro de recuperação de aves do Parque Nacional da Ria Formosa e ainda de algumas ETAR [estações de tratamento de águas residuais] de Loulé e Olhão.

Não é a primeira vez que o vírus dá sinais da sua presença no país. Em 1969, foi isolado na barragem do Roxo, em Aljustrel...

Sim, pelo professor Armindo Filipe. Nessa altura tinham sido feitos também estudos serológicos que demonstraram a presença de anticorpos no homem, em animais domésticos, nomeadamente ruminantes, cavalos e aves selvagens.

Como se fazem as colheitas?

Usamos armadilhas com neve carbónica para simular a respiração humana e que têm uma luz que atrai os mosquitos. São colocadas ao fim do dia e no dia seguinte os mosquitos são colhidos. Depois, são transportados para o laboratório e aí são como que anestesiados para poderem ser classificados e separados em lotes.

Só depois são armazenados a 80 graus negativos para serem processados. De seguida são esmagados num meio líquido usado para inocular células - se queremos fazer o isolamento do vírus - ou para outros estudos de virologia molecular. O ideal é fazer o isolamento, porque, se o fizermos, podemos replicar o vírus em culturas.

Mas quando a Direcção-Geral da Saúde disse há dias que tinha identificado a "actividade do vírus" no Algarve, isso queria dizer que o vírus tinha sido isolado?

Não, nós não isolámos o vírus. O que fizemos foi detectar ácido nucleico viral. O vírus foi identificado, não isolado. Agora, vou descongelar os lotes em que identifiquei o vírus e vou infectar células com esses macerados de mosquitos.

Pode dizer-se com toda a certeza que se trata do vírus do Nilo?

Pode dizer-se com toda a certeza, porque conseguimos amplificar por RT-PCR (reverse transcriptase - polymerase chain reaction) uma região do RNA [ácido robonucléico] viral, com um ensaio específico para a família de Flavivirus.

Mas essa família é enorme...

O que fizemos a seguir foi pegar nesse produto de RT-PCR amplificado e mandámos sequenciar. E foi com base na comparação entre a sequência por nós obtida e outras sequências disponíveis em bases de dados que concluímos estar perante o vírus do Nilo Ocidental.

Isso permitiu-nos ainda perceber que é uma estirpe muito próxima das que foram identificadas e analisadas em Itália, em cavalos, num surto verificado em 1998, e também muito semelhante às de um surto identificado em França em 2000, em cavalos também, na região da Camarga. É ainda parecida com uma estirpe isolada no Quénia em 1998 e com a que foi responsável pelos surtos humanos na Roménia, em 1998, e na Rússia, em 1999.

Quantos tipos de estirpes diferentes tem, afinal, este vírus?

Há duas grandes linhagens filogenéticas. Numa delas estão incluídos todos os vírus que circulam em África, a Norte do Equador, os vírus do Próximo e Médio Oriente, Europa do Leste, bacia mediterrânica, Sul da Europa, e também o que circula nos EUA. Depois, há uma segunda grande linhagem que se tende a dizer que é mais benigna porque não foi associada a casos de encefalite e morte no homem, uma estirpe que circula essencialmente na África subsariana e em Madagáscar. Mas não sabemos se isso tem a ver com a benignidade da estirpe ou com o facto de os registos eventualmente não serem fidedignos.

Dentro da primeira linhagem, há ainda duas separações: por um lado, os vírus que circulam na Roménia, no Sul da Rússia, no Sul da Europa e, por outro, os que circulam em Israel e nos EUA. E vemos que há diferenças entre os dois, fazendo a análise de sequência de nucleótidos do genoma destes vírus.

O que vai ser necessário fazer nos próximos tempos?

Gostaria de isolar o vírus, determinar a sequência completa do seu RNA genómico e compará-la com a da estirpe encontrada em 1969, sequenciada no âmbito de uma tese de doutoramento.Vou tentar encontrar o elo perdido, porque é importante perceber se o vírus se tem mantido num ciclo silencioso no país ou se está a ser reintroduzido, como aconteceu no Sul de França e em Itália.

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