O factor surpresa
Os atletas que querem lutar por medalhas recorrendo a substâncias ilícitas são apoiados por especialistas conhecedores dos ciclos dos dopantes e das formas de escapar aos controlos previstos durante provas oficiais. Desta forma, só os testes realizados de surpresa, durante períodos de treino, permitem detectar os batoteiros mais sofisticados. Quando as autoridades começaram a compreender as mentes dos seus alvos e intensificaram esta táctica, os casos de dopagem dispararam. Grande parte dos atletas afastados de Atenas 2004 por "doping" foram apanhados através de testes surpresa. Por exemplo, o suíço Óscar Camenzind, que em 1998 conquistou o título mundial de estrada, foi surpreendido quando preparava a sua participação nos Jogos Olímpicos à base de EPO e, perante a hipótese de ser suspenso, anunciou o fim da carreira. Noutros casos, registam-se histórias rocambolescas, com atletas a tentarem o possível para escaparem às brigadas de controlo, como fez a turca Sureyya Ayhan, líder europeia dos 1500m, e a halterofilista australiana Caroline Pileggi. D.L. |
A outra face das estrelas
Escândalos e o reforço dos controlos "antidoping" surpresa afastaram de Atenas 2004 vários candidatos às medalhas
No ano passado, a Agência "Antidoping" dos EUA descobriu, a partir de uma denúncia anónima, que o laboratório californiano Balco (Bay- Área Co-Operative Laboratory) criara um esteróide sintético para atletas de elite e desenvolveu uma técnica de despiste. A Agência Mundial Antidopagem (AMA) temia que a tetrahidrogestrinona (THG) já estivesse disseminada a nível internacional, mas a teoria não se confirmou com a reanálise de inúmeras amostras armazenadas. No entanto, a investigação foi suficiente para fazer uma limpeza na equipa olímpica norte-americana.
Regina Jacobs, recordista mundial dos 1500m em pista coberta, Kevin Toth (peso), Melissa Price (martelo) e John McEwen (martelo) foram suspensos devido a testes positivos. Outras provas serviram para pressionar atletas suspeitos de ligações à Balco, entre os quais Kelli White, que não resistiu à pressão e aceitou uma suspensão de dois anos, renunciando aos títulos mundiais dos 100 e 200m e reconhecendo publicamente que se dopara com esteróides e eritropoietina (EPO).
Tim Montgomery, recordista mundial dos 100m, e a sua companheira, Marion Jones, vencedora de cinco medalhas em Sydney 2000, foram também incluídos na extensa lista de atletas investigados - o velocista já foi acusado formalmente de dopagem -, mas nestes e noutros casos os resultados completaram o trabalho das autoridades antidopagem: Marion Jones apurou-se apenas para os 4x100m e Montgomery apresentou-se nas provas norte-americanas de apuramento como um atleta mediano, o mesmo que, segundo o próprio contou à justiça dos EUA, há vários anos foi transformado no recordista mundial através de um plano de dopagem específico, concebido pela Balco.
Quando terminaram os campeonatos de apuramentos, o Comité Olímpico norte-americano precipitou-se ao garantir uma ruptura com o passado, levando a Atenas 2004 uma comitiva limpa. Não esperavam que testes a Calvin Harrison e a Torri Edwards detectassem estimulantes e afastassem dos Jogos Olímpicos o campeão mundial nos 4x400m e a nova líder dos 100m, desde a desclassificação de White.
A incógnita sobre as disciplinas de velocidade no atletismo não é causada apenas pela revolução causada pela mudança da mentalidade norte-americana relativamente ao uso de dopantes. Na Europa, várias estrelas ficaram também pelo caminho, como os casos de Anastasia Kapachinskaya, a russa de herdou de Kelli White o título dos 200m mas que, pouco tempo depois, chumbou num teste efectuado nos Mundiais de pista coberta, e de Vita Pavlysh, ucraniana campeã mundial do lançamento do peso que foi banida do desporto por insistir em usar esteróides.
Da lista de ausências importantes fazem ainda parte o espanhol Albert Garcia, campeão da Europa dos 3000m em pista coberta e 5000m ao ar livre que está suspenso por consumir EPO, o britânico Dwain Chambers, cor-recordista europeu dos 100m que usou THG, a romena Mihaela Melinte, recordista mundial do martelo, e o ciclista escocês David Millar, um dos alvos dos investigadores responsáveis por um inquérito ao tráfico de dopantes no ciclismo profissional francês.