Santana e Sampaio contra comunicado do procurador
Jorge Sampaio e Santana Lopes ficaram desagradados com o comunicado emitido pelo procurador-geral da República, José Souto Moura, na sequência da crise das "cassetes roubadas". No texto, o procurador praticamente ignorava a eventual violação do segredo de justiça por parte do director da PJ. Foi mesmo o Presidente da República que sugeriu ao primeiro-ministro que reunisse com o PGR para esclarecer a situação.
Jorge Sampaio e Santana Lopes conversaram sobre a matéria e foi o próprio Presidente da República a sugerir ao primeiro-ministro a convocação de uma reunião com o procurador-geral para esclarecer o assunto.
Recorde-se que, no texto emitido na terça-feira, Souto Moura critica violentamente as gravações alegadamente ilícitas, assinalando que "tendo tais gravações sido realizadas à completa revelia de vários interlocutores daquele senhor jornalista [Octávio Lopes, do "Correio da Manhã"] estar-se-á perante um comportamento deontologicamente censurável e juridicamente ilícito que não pode deixar de ter repercussões no futuro sobre o trabalho de outros profissionais da comunicação social, dificultando-o".
Mas, sobre a eventual violação do segredo de justiça, Souto Moura limita-se a recordar que "à luz da jurisprudência que acabou por vingar num caso com contornos semelhantes e que teve enorme repercussão pública, [o caso Fernando Negrão, que levou à demissão do actual ministro da Segurança Social do cargo de director da PJ] o suposto material das gravações em causa poderá revelar-se inócuo como prova de crimes que possam ter sido cometidos com as conversas que hajam sido gravadas ilícitamente".
Santana Lopes pretendeu ontem demarcar-se publicamente da posição ambígua do procurador-geral da República. Souto Moura foi chamado à residência oficial do primeiro-ministro, mas o encontro com o chefe do Governo e com o ministro da Justiça ficou envolto em sigilo, com todas as partes a recusar qualquer explicação à saída da reunião.
Na declaração final, Pedro Santana Lopes, pretendeu deixar pública a diferença entre a sua posição e a de Souto Moura. O presidente do PSD expressou claramente, durante a reunião de ontem, ao procurador-geral da República a necessidade da investigação às violações ao segredo de justiça: "Nessa reunião, o Governo confirmou a sua determinação em assegurar que todas as violações às regras processuais penais, em especial aquelas que mais minam a confiança dos cidadãos, sejam rigorosamente investigadas".
O primeiro-ministro defendeu depois que deveria ser acelerado o processo de revisão penal, por entender que se devia "ir mais além". Esse mais além significaria mexer no actual estatuto do segredo de justiça. "Considero ter chegado a hora de o Governo, maioria parlamentar e oposição trabalharem formalmente na celebração de um acordo de regime em torno das grandes questões da Justiça em Portugal", afirmou.
Santana Lopes definiu um prazo - "até à abertura do ano parlamentar" - para a apresentação de "propostas que concretizem estes propósitos, nomeadamente em matéria de Código Penal e Código de Processo Penal".
A crise das cassetes roubadas vem inaugurar o "novo estilo" de Santana Lopes para lidar com os problemas da justiça, em contraste com o seu antecessor, Durão Barroso. O anterior primeiro-ministro sempre optou por não se meter em assuntos judiciais, mas, ao que o PÚBLICO apurou, Santana Lopes é de opinião de que não deve, em determinadas matérias, "deixar andar" sem tomar posição. Embora haja, naturalmente, profissão de fé de não interferência em processos judiciais, o novo primeiro-ministro acha que deve intervir mais e a demarcação relativamente à actuação do procurador-geral da República inaugura este "novo estilo" de relacionamento entre Governo e agentes da justiça.
Também, entre alguns sectores do Governo, houve algum desagrado por, no comunicado, o procurador-geral da República, ter feito expressa referência ao escândalo que, em 1999, envolveu o actual ministro deste Governo, Fernando Negrão, que foi acusado de violação do segredo de justiça, facto que levou à sua demissão de director da Polícia Judiciária.
Uma lembrança "negra" para o Governo no momento que acaba de forçar a demissão (como se entende das palavras de Adelino Salvado que diz ter ficado numa "situação de isolamento perante a tutela política") de um director da Polícia Judiciária precisamente por alegada violação do segredo de justiça.