Ticiano, o Renascimento e as colecções escocesas

Na época vitoriana os aristocratas escoceses reuniram algumas das melhores colecções de arte da Europa. Os seus castelos e palácios transformaram-se em autênticos museus onde ainda hoje é possível encontrar verdadeiros tesouros que foram durante centenas de anos privilégio de uma elite com poder de compra e acesso a negociantes de arte influentes. Nos salões e corredores era comum encontrar retratos de Lorenzo Lotto, obras de Giovanni Bellini ou cenas mitológicas saídas das mãos de Ticiano Vecellio, para muitos o mestre dos mestres da renascença italiana. A exposição que ontem inaugurou na National Gallery escocesa, em Edimburgo, e promete ser um dos "blockbusters" deste Verão, pretende mostrar algumas das peças mais importantes destas colecções escocesas, na sua maioria dispersas. "The Age of Titian" ("A Era de Ticiano") reúne 249 obras criadas entre 1460 e 1620 e garante uma viagem pela arte veneziana do Renascimento a partir de Ticiano (1487-1576) e de alguns dos seus contemporâneos, de Giovanni Bellini, de quem foi discípulo, a Palma il Giovane, de quem foi mentor, passando por Paolo Veronese, Jacopo Tintoretto e Lorenzo Lotto. "A exposição dá um impressionante panorama da era de ouro da pintura veneziana", garantiu um dos seus comissários, Peter Humfrey, em declarações à publicação digital "Art on the Line". "A outro nível, ela é um contributo fundamental para a história do coleccionismo britânico nos séculos XVIII e XIX, chamando a atenção para importantes e já dispersas colecções escocesas", como a dos duques de Hamilton ou a do lorde Kinnaird. Mas a parte mais significativa do acervo exposto pertence ao espólio privado do duque de Sutherland.Obras de excepçãoDa colecção Sutherland, em depósito na National Gallery escocesa desde 1945, vêm três dos 12 quadros de Ticiano presentes nesta exposição que assinala a abertura de novos espaços no museu (ver caixa). "Diana e Acteon" e "Diana e Calisto" (duas obras de inspiração mitológica feitas para Filipe II de Espanha), ainda na colecção do duque, formam o núcleo central de "The Age of Titian" com "Vénus Anadiómene" (ou "Vénus erguendo-se do mar"), quadro que também pertencia ao espólio Sutherland mas que foi comprado pelo museu o ano passado por 17,8 milhões de euros.O naipe de obras cedidas por privados e por museus nacionais e estrangeiros inclui ainda um Bellini de Birmingham, um Lotto da National Gallery de Londres, um Jacometto do duque de Buccleuch, um Giovanni Savoldo de lorde Wemyss e obras dos museus Metropolitan, de Nova Iorque, e Paul Getty, de Los Angeles. "Todas as obras desta exposição pertencem ou já pertenceram a colecções escocesas", disse durante a cerimónia de abertura o director geral do museu, Timothy Clifford. Apesar dos esforços, uma das mais famosas pinturas de Ticiano com ligações à Escócia vai permanecer em Londres. "Baco e Ariadne" - um dos quadros do magnífico tríptico dos Bacanais, encomendado em 1520 pelo polémico duque de Ferrara - pertenceu a lorde Kinnaird e está hoje na National Gallery de Londres. Segundo fontes oficiais do museu londrino, não será emprestada a Edimburgo por dois motivos: primeiro porque originalmente estava na residência de Kinnaird em Londres, depois porque acaba de ser sujeito a uma grande retrospectiva na National Gallery de Londres ("Titian"), visitada por mais de 250 mil pessoas.Clifford espera que "The Age of Titian" tenha tanto sucesso como a exposição londrina ou como a que Edimburgo dedicou recentemente a Monet.Aos que duvidam que os grandes mestres da pintura do Renascimento tenham a mesma capacidade de atracção dos impressionistas dos séculos XIX e XX, Clifford responde, através do diário "The Scotsman": "Pode não ser tão bem sucedida como a de Monet, mas há quem defenda que Ticiano é provavelmente o maior pintor de todos os tempos. Duvido que alguém diga o mesmo de Monet." Entre as obras mais célebres da exposição escocesa estão ainda "A Virgem e o Menino", de Bellini, "O Baptismo de Cristo", de Veronese, e "Rei David", de Moretto.Algumas das peças - além de pintura há desenho, gravura e escultura - nunca foram expostas publicamente e são novidade mesmo para os especialistas. Saíram das "caves e sótãos" das casas senhoriais e o nome do seu coleccionador não deve ser dado a conhecer para evitar roubos como o que recentemente fez desaparecer do Castelo de Drumlanrig um Leonardo no valor de 30 milhões de libras. Ticiano, o criador da arte erótica do século XVI, é também representado por "Cristo e a Mulher Adúltera", "As Três Idades do Homem" e "Salomé com a Cabeça de São João Baptista". Provavelmente o mais celebrado artista europeu do seu tempo - mais do que Miguel Ângelo e Rafael -, Ticiano tem ainda muito para dizer. Para Timothy Clifford, esta exposição, que pode ser vista até 5 de Dezembro, vem provar uma vez mais que "no pico da sua carreira, Ticiano é um génio. Talvez o génio."

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