Sudão compara resolução da ONU a "declaração de guerra"
Desde que, na sexta-feira, o Conselho de Segurança (CS) da ONU exigiu que o Governo sudanês controlasse as milícias árabes, acusadas de massacrar as populações negras da região ocidental de Darfur, o Sudão teve várias reacções de rejeição do texto aprovado. Mas nenhuma das posições, que surgiram no fim-de-semana, foi tão virulenta como a que ontem assumiu o Exército sudanês. Em declarações a um jornal oficial, o porta-voz do Exército referiu-se ao texto da ONU como uma "declaração de guerra" contra o Sudão e o seu povo. "O Exército sudanês está agora pronto a fazer face aos inimigos do Sudão por terra, mar ou ar", declarou Mohamed Beshir Suleiman ao jornal oficial Al-Anbaa, citado pela agência francesa AFP.
Apoiando-se na resolução da ONU, que deu um mês ao Governo do Sudão para desarmar as milícias janjawid (sob pena de enfrentar "medidas", que podem tomar a forma de sanções económicas ou diplomáticas), o general Suleiman considerou que o prazo dado a Cartum para dar provas de pôr fim à violência, era na verdade o tempo que os EUA e outras forças ocidentais precisavam para preparar um ataque militar contra o Sudão. O general advertiu que o seu país levaria a cabo uma guerra santa contra as forças invasoras, e apelou os "media" sudaneses a prepararem o povo para uma "guerra não convencional".
Em declarações à Reuters, um responsável do ministério sudanês dos Negócios Estrangeiros relativizou, resumindo (em reacção à resolução 1556), que o Sudão teria de estar "em estado de prevenção para quaisquer desenvolvimentos que tenham lugar", e que o Governo tentaria acatar as condições impostas pelo CS da ONU.
Quando o projecto de resolução, apresentado pelos EUA, foi aprovado por 13 dos 15 membros do CS, as autoridades sudanesas começaram por rejeitar o documento, depois aceitá-lo embora "com mágoa", e finalmente considerá-lo ilógico tendo em conta o acordo estabelecido entre Cartum e o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, no início de Julho, e que dava três meses ao Governo sudanês para desarmar as milícias, autorizar a presença de investigadores de direitos humanos, e facilitar a distribuição de ajuda alimentar. Cartum nega qualquer envolvimento às milícias árabes e garante que já começou a punir alguns dos seus responsáveis.
Resolução marca etapa de "confrontação"
O texto da ONU, aprovado no dia 30 de Julho, não coloca o cenário de uma intervenção multilateral no Sudão - a acontecer alguma coisa, será depois do prazo dado pelo CS.
Mas marca claramente uma nova etapa, a da "confrontação entre a ONU e o Sudão", considera o analista africano Korwa Adar, para quem a reacção mais violenta do Exército não passa de uma ameaça, num momento em que o Sudão se sente "exposto" e pressionado.
"A reacção do Exército é um sinal claro de que o Governo sudanês está a apoiar as milícias", acrescentou numa entrevista telefónica ao PÚBLICO, Korwa Adar, director de investigação do Africa Institute na África do Sul. Adar congratulou-se pela tomada de posição conjunta das Nações Unidas relativamente a um país (o Sudão) onde "o Governo falhou na sua responsabilidade soberana de proteger a população civil".
Além disso, diz, "a resolução demonstrou que o mundo concorda que algo tem de ser feito". Mas considera que a reacção do Exército sudanês não terá para já consequências militares.
Ameaças contra uma intervenção não-africana
Já na semana passada, quando a Grã-Bretanha colocou a hipótese de uma intervenção militar para travar a catástrofe de Darfur, o regime islâmico de Cartum ameaçou combater as forças estrangeiras, não repetindo porém a ameaça quando confrontado com o possível envio de uma força dos países da União Africana (UA), presidida actualmente pela Nigéria.
A anunciada chegada hoje a Darfur de uma missão de informação da União Europeia (UE) segue-se a um apelo feito pela UA para ajuda logística e financeira nesse sentido. A equipa, chefiada pelo delegado para o Sudão de Javier Solana, alto representante para a política externa da UE, deverá avaliar as condições no terreno para um possível apoio a uma intervenção da UA, afirmou uma fonte da UE à AFP.
Para já, a França mantém a mobilização de tropas nas suas bases no Chade (que faz fronteira com o Sudão) para facilitar a ajuda humanitária. Mais de 200 mil (do total de 1,2 milhões) refugiados sudaneses estão em campos de acolhimento no Chade. O Programa Alimentar Mundial (PAM) anunciou ontem ter começado a largar os primeiros sacos de ajuda alimentar em aldeias de Darfur de difícil acesso devido às chuvas ou à insegurança.
Os relatos apontam para um agravamento da situação humanitária, decorrente das fortes chuvas próprias desta época, e das condições de segurança das populações civis. Do terreno, continuam a chegar sinais das perseguições e atrocidades cometidas contra as populações negras (não árabes mas muçulmanas).
O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa criticou a resolução da ONU e convocou uma reunião da organização, para o próximo fim-de-semana. O Governo sudanês tinha solicitado um encontro urgente dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos países árabes para a adopção de uma postura comum face às ameaças de uma intervenção militar de países ocidentais. Alguns países árabes não manifestam o mesmo sentimento de urgência relativamente à pressão a exercer sobre Cartum. Mas a imprensa de alguns países membros da organização acolheu favoravelmente o texto da ONU e exortou Cartum a cumprir o predisposto, ou seja, o desarmamento das milícias árabes que actuam na região ocidental sudanesa de Darfur.