Soares dos Santos: "é a altura ideal para o Presidente da República propor um pacto de regime"

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Em 1999, Soares dos Santos foi apresentado pela revista Forbes como o homem mais rico de Portugal, à frente de Belmiro de Azevedo e António Champallimaud Carlos Lopes/PÚBLICO

Esteve à frente dos destinos da JM, o segundo maior grupo de distribuição nacional, ao longo dos últimos 36 anos. Afastou-se este ano da sua gestão executiva, passando a ocupar o lugar de presidente do conselho de administração, e afirma que o ânimo e o patriotismo criado nos portugueses com Euro 2004 deve ser canalizado para os motivar a acreditar e a fazer mais pelo país.

Apela mesmo ao Presidente da Républica, Jorge Sampaio, para que aproveite a actual "onda de entusiasmo" e promova um "pacto de regime" entre políticos, empresários e sindicatos - a quem tece duras críticas - , para ajudar o país a sair da encruzilhada em que se encontra. Afirma, na entrevista ao programa "Diga lá Excelência", um projecto da Rádio Renascença em colaboração com o PÚBLICO, exibido ao Domingo no canal dois da RTP, que a realização de eleições antecipadas seria uma "asneira" do ponto de vista económico e acredita que será bom para o país ter um presidente da Comissão Europeia português.

Em 1999, foi apresentado pela revista "Forbes" como o homem mais rico de Portugal, à frente de Belmiro de Azevedo e António Champallimaud. A crise que afectou o seu grupo nos três anos seguintes fê-lo perder esta posição. Mas no ano passado, após a saída dos mercados brasileiro e britânico e a venda de alguns negócios, a crise parecia vencida, e o grupo regressou aos lucros. Como empresário tem uma originalidade: é capaz de reconhecer os seus erros com a mesma simplicidade com que capitaliza as vitórias.

PÚBLICO: Já uma vez propôs um pacto de regime entre partidos da oposição, empresários e sindicatos, do género do que se fez na Holanda no início dos anos 80. Estão criadas as condições para a sociedade portuguesa avançar para um "pacto de regime"?

Estou cada vez mais convencido que ou fazemos esse acordo envolvendo empresários, políticos, sindicatos e confederações patronais, ou Portugal vai ter cada vez mais dificuldades. Não podemos andar permanentemente numa situação como a actual, onde há uns que dizem bem e há outros que dizem mal. Em que o sindicalismo é de confrontação. Não dá. Esse tempo já morreu.

Essa iniciativa devia ser promovida pelo Presidente da República?

Sim, o Presidente da República devia ter a paciência e despender o tempo necessário para que isso viesse a acontecer. É fundamental que haja uma mudança de mentalidade por parte do empresariado, dos sindicatos e dos partidos políticos, que pensemos todos em Portugal. E esta é a altura ideal, a seguir ao euro, para o Presidente da República propor um pacto de regime. Devemos pensar o que é que queremos para Portugal, e o que é que temos de fazer, e cumprir. Deveria fazer-se um pacto em que cada um assumiria um compromisso. Na Holanda cumpriu-se e continua a cumprir-se, e criou-se uma sociedade onde há consenso. Há coligações que continuam a persistir e a funcionar bem. É isso que está a faltar em Portugal, e eu penso que o sr Presidente da República terminaria em beleza o seu mandato se desse esse passo.

Pode dá-lo agora na gestão desta crise política?

Acho que tem uma ocasião magnífica neste momento. Os cidadãos portugueses compreenderiam a necessidade[de um pacto de regime] se lhes fosse bem explicado. E os partidos políticos, os empresários e os sindicatos seriam forçados a aceitar e a sentar-se à mesa.

"A situação em Portugal é dramática. Em todos os aspectos é um país sem rumo, sem objectivos. Em que o mérito não é premiado e lei não é imposta. Promove reformas que são um disparate e só servem para tirar competitividade". Estas palavras são suas, retiradas de uma entrevista que deu ao "Expresso" em Abril de 2001. Passaram três anos. O retrato que faz do país é melhor ou é pior?

Até há pouco tempo, à meia dúzia de dias, a minha leitura era mais ou menos essa. Contudo, a realização em Portugal do Euro veio dar um ânimo, que eu creio que não estávamos conscientes que ele existia - a forma como a população reagiu à proposta de usarmos as bandeiras, o cantar do hino nacional. Creio que, neste momento, há todas as condições para levar o país a motivar-se consigo próprio país. Tem de ser feita alguma coisa para que esta onda de entusiasmo à volta do nome Portugal, e não apenas da selecção nacional, se possa transformar numa fonte de motivação de toda a população portuguesa.

O que podemos fazer para sair da crise política que vivemos em Portugal? Com eleições antecipadas? Com um novo Governo indicado pela actual maioria?

Ter agora eleições antecipadas seria uma perfeita asneira sob o ponto de vista económico. Porque significaria que o país antes de Janeiro/Fevereiro do próximo ano não tem um Governo a funcionar, não tem um orçamento para 2005, ficaria completamente paralizado. E ainda hoje (sexta-feira passada) vinha a ler o "Finantial Times" onde o novo presidente da República Federal alemã, dizia à cerca da Alemanha, que esta não pode perder um único dia para conseguir o seu rejunescimento. Agora imagine-se Portugal, que tem tantos desafios a que fazer face. Se parar mais seis meses, para depois recomeçar com novos ministros a tomarem conta de pastas que não conhecem, vamos parar praticamente um ano.

A luta entre facções diferentes dentro do PSD, devido à indicação, como tudo parece indicar, de Santana Lopes para primeiro-ministro, não pode revelar-se também prejudicial?

Essa controvérsia está a ser provocada porque todos querem ser primeiros-ministros. Uns querem eleições porque têm a esperança de ganhar, e vão ser eles o primeiro-ministro. Outros não querem eleições porque têm medo de perder e já lá estão. Infelizmente, esta é a verdade da política, não só em Portugal, mas em todo o lado. Os políticos querem a solução que melhor se adapte aos seus interesses. Acontece que os seus interesses muitas vezes não são os do país.

Não há dúvida de que Durão Barroso do ponto de vista pessoal e da sua política europeia tem toda a vantagem em partir para a Comissão Europeia (CE). Acha que ele olhou os interesses país, ou deveria ter recusado o convite, já que se criou esta situação que agora descreve?

Contrariamente ao que Pacheco Pereira escreveu no PÚBLICO, acho que para Portugal é muito bom ter um presidente da CE português. Mesmo que ele seja a segunda ou terceira escolha, ou uma solução de compromisso. O que é fundamental é que Durão Barroso enquanto presidente da CE desempenhe um bom papel, porque isso vai melhorar a imagem deste país. O que é importante em Portugal, neste momento, é que se forme um bom Governo. Um Governo constituído por homens competentes e que estejam dispostos a lutar pela melhoria das condições económicas e sociais do país.

Numa escala de zero a 20 que nota é que dava ao Governo cessante?

É muito difícil a meio do mandato dar-se uma nota. Quando se fala no corte das despesas públicas, quem lida com custos sabe que é muito difícil reduzi-los de um dia para o outro, demora tempo, as medidas tomam-se, mas para aparecerem resultados é preciso passarem anos. Mas quando olho para a performance da dra Ferreira Leite, acho que ela está no caminho certo. É um caminho ingrato e aborrecido. As notícias que dá agora são más, mas a médio prazo são boas para o país e para as pessoas.

Quem gostaria de ver a ocupar a pasta das Finanças? António Borges, por exemplo, tem o perfil indicado...

Claro que tem. O professor Eduardo Catroga é outra pessoa. Em Portugal há pessoas perfeitamente capazes de desempenharem missões difíceis. O problema está em que, cada vez mais, as pessoas não querem entrar na vida política.

Santana Lopes tem o perfil que inspira confiança aos empresários? É alguém capaz de fazer os sacrifícios na altura certa?

Essa pergunta é extremamente delicada. Até hoje nunca conheci o dr. Pedro Santana Lopes. Como presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) escrevi-lhe uma carta po causa de terem posto flores na Av. da Liberdade, onde lhe disse: olhe, não sei se o sr. é bom ou mau presidente, sei que tornou a Av. da Liberdade mais agradável para passear. Não sei como é que ele se comportará. Ser presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz é uma coisa, ser presidente da CML é outra, e ser primeiro-ministro é completamente diferente. Ele tem que ter uma uma visão internacional. Tem de saber se quer que a União Europeia (UE) seja uma realidade federalista, ou seja apenas uma zona tipo EFTA antiga, um pouco mais desenvolvida. É isso que esperamos que eles nos diga.

Disse recentemente que no início da sua carreira não tinha sentido a corrupção como um problema grave no país, mas considera agora que é um tumor que tende a alastar. Este tumor alastra porquê? Também devido a uma certa promiscuidade entre o mundo empresarial e político?

Evidentemente que é. O problema do financiamentos dos partidos políticos e o problema das necessidades de determinados desenvolvimentos leva a que muitas vezes se recorram a métodos que não devem ser utilizados. Os partidos políticos deviam ser financiados não pelo Estado, mas pela sociedade a que pertencem - companhias ou cidadãos. E deviam ser financiados de uma forma muito aberta e transparente.

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