Slipknot Máquina de ódio de 18 pernas

O que justificará o facto de o número de festivaleiros que há duas semanas acorreram ao Rock In Rio Lisboa de t-shirt com os Metallica estampados - indiscutíveis cabeças de cartaz, com 23 anos de carreira - ser praticamente o mesmo dos que envergavam malhas dos Slipknot, nove mascarados de death/trash/nu metal vindos da América profunda? Os fãs dizem que a música dos Slipknot é a expiação da raiva interior. A banda, que acabou de lançar o quarto longa-duração "Vol. 3: (Subliminal Verses)" e está a fazer 70 concertos pelo mundo em seis meses (Ozzfest incluído), explica que o segredo está em ser verdadeiro e não ter medo em ser diferente da sociedade.Os provocadores de Des Moines, Iowa, são dos mais brutais de sempre ao vivo, juntando demência decibélica, guitarras incendiadas, relâmpagos rítmicos e insanidade ritualizada. Da plateia, o motim salivado responde de dedos indicador e mindinho em riste, com movimentações acrobáticas no "mosh pit" e "crowd surfing" em abundância (um dos voos passou a grade da primeira fila). Se a música fosse água, os espectadores estariam ali a embebedar-se, a tomar banho e a ensopar o cabelo. Resultado: mais de 330 pessoas foram atendidas nos postos da Cruz Vermelha do festival, com os sobrolhos abertos, escoriações e entorses da praxe. O vocalista Corey Taylor deixou os 69 mil espectadores enrolado na bandeira portuguesa, tal como o havia feito em 2002, no Festival do Ermal, Vieira do Minho.A máquina de ódio de 18 pernas - DJ Sid Wilson, baterista Joey Jordison, baixista Paul Gray, percursionista Chris Fehn, guitarrista James Root, "sampler" Craig Jones, percussionista Shawn Crahan, guitarrista Mick Thomson e vocalista Corey Taylor (cada um é conhecido por um número, de 0 a 8) - também não sabe trabalhar de outra forma.O fã Ricardo Sousa foi um dos que esteve na multidão, "para deixar de respirar, enlouquecer e sentir um vazio brutal" e extravasar "o ódio, dor e nojo das vivências diárias guardado há muito", principalmente em "Spit It Out", quando Corey pede ao público para se pôr de cócoras por momentos para depois explodir no refrão poderoso. O portuense de 25 anos é responsável pelo (sic) army (www.sic.army.org), um dos sítios mais importantes sobre os Slipknot, e, desde 2000, promove regularmente encontros com os músicos, aluga autocarros para ver concertos (no dia 27, seguem para França), faz concursos para fatos-macaco autografados do colectivo e disponibiliza "bootlegs" e vídeos (o do Rock In Rio já está disponível para "download"). "Quero partilhar esta emoção com os fãs nacionais, dar-lhes aquilo que não teriam hipótese de ter de outra forma, mantê-los em contacto regular com a banda", diz o jovem, que ouve "heavy metal" desde a adolescência.Outra fã, Miss666, esteve a 16 de Maio de 2001 com os Slipknot, antes da sua primeira actuação em solo luso. A câmara de TV recebeu dela um escarro, Corey teve um poema original, "War", com a palavra Slipknot escrita com o seu próprio sangue, e Shawn levou um osso vindo directamente do Cemitério dos Prazeres - "não vale a pena procurarem lá, trouxe os ossos todos" -, cravado com as palavras "People=Shit", o título de um tema da banda.Este é a melhor faixa sociológica dos nove soldados, diz o fã Gonçalo Sitima. "A consciencialização da desumanidade do homem é a cura para a doença que nos afecta e nos destrói. Não considero o ser humano como merda na sua origem, mas que se torna nisso, não pela sua natureza insignificante, não por algo inerente a si, mas por preguiça, por afastamento de si próprio e por ignorância de se concretizar e evoluir", referiu num "post" do (sic) army.Palhaços e PinóquiosEmbora os Slipknot não o admitam, há, além do caos e loucura que agita os sismógrafos, um jogo cénico que cativa pela exuberância da proposta. As máscaras obscuras e maléficas materializam anonimamente os demónios interiores de cada elemento. É claro que, nas entrelinhas, há dose q.b de "marketing" (novo álbum, novas máscaras), tal como o faziam os Kiss e o fazem Mudvayne ou até Blasted Mechanism.Mais: os nove digladiam-se uns com os outros e a si mesmos, trazendo também adereços curiosos. Chris distingue-se por esfregar sucessivamente o "seu" nariz de Pinóquio, mas o "palhaço" Shawn é o mais ousado - costuma imolar-se com fogo, dar saltos mortais, dar murros sucessivos na cabeça e no dorso e bate com esta no que aparece à frente, especialmente os seus bidões. Há algum tempo, teve de levar pelo menos uma dúzia de pontos na cabeça, após um concerto. Noutros espectáculos, trincou também ao vivo um coração humano como se fosse uma maçã, trouxe cabeças de vaca congeladas e autografou papel higiénico usado.A que se deve tal irreverência, por vezes a roçar o desprezível, que já convenceu Hollywood a convidá-los para a banda sonora de "Resident Evil", "Rolerball", "Scream 3", "Spider-Man" e "Freddy vs. Jason"? "Nós fazemos as coisas à nossa maneira e sem qualquer pressão, não somos subjugados pela sociedade, não vendemos a alma às merdas da indústria que é uma lata de Pepsi, não dormimos em almofadas forradas a dólares e isso assusta as pessoas e as outras bandas", comenta Corey Taylor em entrevista, com uma simplicidade e tranquilidade olímpicas. De máscara tirada, o vocalista de pele clara, olhos azuis, dois brincos em cada orelha, cabelo preto, vermelho e azul pelos ombros e de braços tatuados com símbolos tribais e humanóides parece, à primeira impressão, despido e frágil."O novo disco é isso mesmo. Fomos corajosos e desafiar as pessoas a mudar. Há milhares de seguidores nossos que abominam o trabalho, dizem que está melódico e pouco insano, mas não estou preocupado com eles", continua. A postura soa a Crash Test Dummies, que há uma década disseram que faziam o que lhes desse na gana em termos instrumentais e de atitude, pois tinham condições financeiras para isso e, quanto aos fãs, "saíam uns e entravam outros". "Não, não é isso. Queremos ajudá-los a crescer, o 'Subliminal Verdes' é realmente criativo, diverso e mostra de uma vez por todas que somos bons músicos, sem deixarmos o lado 'nervoso'", afirma o vocalista, apontando para a palavra "revolution" na sua t-shirt. "Este é o desafio, não importam os obstáculos."Conhecedores "de ouvido" dos portugueses Moonspell, os Slipknot voltam este agora à mó de cima, para em 2005 se ausentarem um ano, de forma a que alguns dos membros continuem os outros projectos pessoais (hard rock de Stone Sour, glam/punk de Murderdolls, rock/country de To My Surprise), que quase custaram o fim do grupo em 2003.

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