Keith Haring: o poder da energia sexual

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A exposição vai estar patente até 19 de Setembro DR

Keith Haring (1959-1990) definia-se como um artista "impulsionado sobretudo pela energia do prazer sexual". As 76 obras da exposição que amanhã se inaugura na Culturgest, em Lisboa, provam-no. Os símbolos recorrentes - cão, homem, órgão sexual - reordenam-se para construir e devolver um olhar sobre os temas do seu tempo: o poder, a violência, a TV, o sexo, a guerra atómica.

Morreu de sida aos 31 anos, mas "acreditava muito na vida, na alegria", diz Julia Gruen, 45 anos, directora da Keith Haring Fundation, e comissária da exposição que inaugura hoje na Culturgest, em Lisboa. A sua escolha, que inclui a série "Apocalipse", a meias com o escritor William S. Burroughs, tenta dar um arco temporal retrospectivo da obra. As limitações desta mostra itinerante para países lusófonos, que já esteve (em versão mais reduzida) no Porto em 2003, prendem-se com o pouco espaço que esteve disponível no Brasil.

O início (1980/82) apresenta os grandes murais de acrílico sobre papel (que ele, sem dinheiro, apanhava na rua); no final, alguns poucos óleos sobre tela. Dizia Haring da vantagem do acrílico sobre o óleo: "Demora menos tempo a secar!"

Julia Gruen trabalhou com Haring desde 1984 até à morte, e a pedido do artista ficou como directora da fundação, que trata do imenso espólio que lhes deixou. Não só as obras, como tudo o que se relacionava com o seu trabalho - era um coleccionador fanático, de livros, diários, esboços, pincéis. Talvez esta fome de materiais que o revelassem proviesse de uma percepção de morte. Escreveu aos 17 anos num diário: "Não acredito que vá ter uma vida muito longa."

Conheceram-se em 1984, quando a Galeria Tony Shafrazi colocou um anúncio no jornal "New York Times" a anunciar dois lugares. Embora fosse responder ao posto para recepcionista na galeria, Julia Gruen acabou por ficar como assistente pessoal de um artista que se revelou ser Keith Haring, que nem sequer estava nos Estados Unidos e não sabia de nada. Um objectivo era ter alguém que tomasse conta dos cada vez mais volumosos negócios de Haring; outro, implícito, era impedir que ele se distraísse tanto e portanto produzisse mais. Quando se encontraram, ele com 24 anos, ela 25, Keith "estava intrigado" com alguém com um "background" tão diferente: Gruen "200 por cento nova-iorquina", filha de mãe artista e pai crítico de arte, amigos de Jackson Pollock e Willem De Kooning, residentes numa zona glamorosa - e Keith de uma pequena e calma Kutztown, na Pensilvânia.

Mas já em Nova Iorque os seus caminhos se tinham cruzado, pois iam regularmente aos mesmos clubes e tinham conhecimentos comuns. Além disso, para se dirigir à Universidade de Columbia ela utilizava o metro onde ele aprendera a arte do "graffiti", que depois transportaria para as galerias de arte.

Num dia típico, Julia Gruen chegava ao estúdio na Lower Broadway ("cheio de sol, com uma vista incrível") às 10h e ele ao meio-dia. Faziam a lista das burocracias, só depois ele começava a desenhar - pedidos de logótipos, desenhos para "merchandising". Depois do almoço, "vinha imensa gente visitá-lo. Amigos, crianças, coleccionadores, 'very beautiful boys'". E era só à noite que ele realmente trabalhava, só, e sem a luz do sol.

Para Gruen, ele era especialmente um desenhador. As pinturas eram apenas o meio de ganhar dinheiro, pois quase só criadas para as exposições. Nessas noites dos anos finais (88/90), Keith pegava em imensos rolos de papel castanho, estendia-os pelo chão do estúdio e começava a utilizar neles, muito metodicamente, materiais e ideias que trouxera das suas muitas viagens.

Teve uma carreira muito breve, mas muito prolífica e muito vendável. "Sabemos que há muitas obras que gostaríamos de mostrar, mas estão em colecções particulares. Muitas exposições esgotavam no próprio dia." E era tudo feito pelo seu punho. Ao contrário de Andy Warhol (30 anos mais velho, que admirava e de quem era amigo), Haring não tinha assistentes.

A Keith Haring Foundation está encarregada de tudo que se relacione com a imagem, o "merchandising", o "publishing", e contribui, conforme informações exactas de Haring, com verbas para o apoio a actividades culturais de crianças e para o combate à sida.

Julia Gruen desmistifica o mito de que Keith surgiu do nada ("tinha conhecimentos técnicos e históricos, estudou na School of Visual Arts") e lembra-o como alguém que assumiu a sua homossexualidade após chegar à Nova Iorque dos anos 80, "essa grande loja de doces", e onde desenvolveu o fascínio pelo Outro, na forma do negro e do latino. "Tenho uma certeza: após ter terminado o dia de trabalho ele saía, ia jantar bem, beber bem, ia aos clubes, tomava muitas drogas, tinha óptimo sexo." E no meio disto tudo "a obra aparecia feita".

Keith Haring

LISBOA Galeria 1 da Culturgest, Rua Arco do Cego. De 16 de Junho a 19 de Setembro.

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