Rock In Rio: desilusão Britney, festa Black Eyed Peas e... samba no pé

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Britney Spears não (en)cantou DR

O dia "teen" do Rock in Rio, presenciado por uma assistência-recorde de 73 mil pessoas, ficou marcado por duas surpresas no palco mundo: uma agradável; a outra, uma desilusão. Britney Spears foi boneca plástica sem voz e gorou as expectativas. Nos antípodas, os Black Eyed Peas estrearam-se nos palco portugueses da melhor forma: genuínos. Mas a noite foi também da aposta ganha e garantida da sempre eficaz Daniela Mercury.

Foi à mulher-furacão brasileira que coube o encerramento da actividade no palco mundo, meia-hora depois das 3h. A baiana não deixa os créditos por mãos alheias. O público sabe disso e mantém-se no local para assistir à dança, ginástica e alegria da rainha do axê. Sempre em plena actividade e sempre sem perder uma pitada de força na voz.

Êxitos como "Ilê pérola negra", "Nobre vagabundo", "Rapunzel" e "Canto da cidade" não faltam nunca e são garantia de celebração em grande. Rapidamente a cidade do rock se transforma em sambódromo. Mas este concerto vale também - ou sobretudo - por um motivo: o momento de cumplicidade com a nossa Mariza em dois duetos especiais. São eles "Fascinação" (celebrizado por Elis Regina) e "Garota de Ipanema". Bonito de ver.
Black Eyed Peas: genuínos, espontâneos, professores

Depois da super-produção plástica de Britney, sabe bem um pouco de genuinidade. Bem-vindos sejam os Black Eyed Peas. A festa é com eles, o mundo melhor também. Rapidamente entram nas veias dos milhares de pessoas que fintam o o frio só para os ver e assinam o concerto do dia. É pena a ninfeta da pop ter seguido para Londres mal acabou o espectáculo. Porque, se ficasse, Britney Spears só tinha a aprender com o quarteto de Los Angeles.

A vocalista Fergie é a principal professora. Primeiro, porque canta. E bem. O resto da aula lê-se na espontaneidade, descontracção, garra e sensualidade da tigresa norte-americana. O resto do grupo não lhe fica atrás. Fazem-nos sentir entre amigos. E a festa, assim, faz-se naturalmente. Sem corantes nem conservantes. Sem artifícios.

Mal começa o concerto e já os Black Eyed Peas saltam para o contacto com as filas da frente. Descobriram um lugar novo e novos amigos, contagiados pelo hip-hop de temas como "Hands up", "Hey mama", "Freestyle", "Retareded" ou "Shut up".

A festa é recheada de alma, a dose certa de atitude, duetos em desgarrada e boa-disposição. Não falta sequer a vertente politico-social, num pedido público de desculpas pelo presidente que têm nos EUA. "Nós, norte-americanos, não somos todos como ele", garantem. E depois, já em encore, pedem amor (sintomático: Britney fez um encore sem a multidão lhe pedisse para voltar; os Black Eyed Peas não têm como resistir à insistência do público). "Where is the love" é o diapasão para o único momento em que realmente as almas se uniram no Rock in Rio por um mundo melhor. Sem necessidade de lenços brancos.

Uma desilusão chamada Britney Spears

Era o concerto-expectativa da noite e acabou por ser o concerto-desilusão da noite. Britney Spears trouxe o seu espectáculo de cor, coreografias fantásticas e sensualidade. O que faltou? A voz. No final, poucas eram as bocas que não falavam em "playback". Custa a crer, mas o que menos se ouviu foi mesmo a voz ao vivo da princesa norte-americana da pop.

Isto do "showbizz", dos concertos de encher o olho em vez do ouvido, é coisa para americano ver. Portugal gosta mais de emoções, de sentir a proximidade do artista e, enfim, de se sentir uma paragem especial. Na rota de Britney, Portugal foi apenas mais uma. Pouca comunicação houve entre o palco e as mais de 60 mil pessoas presentes no recinto.

O "suspense" era imenso antes da entrada no palco mundo, que aconteceu cerca das 21h30. Britney atacou com "Toxic", vestida num "catsuit" de cabedal negro a evidenciar as formas. Logo aqui se percebe que há alguma coisa errada: ou o som está mesmo muito mau - a meio da música chega a desaparecer do éter por um momento - ou não estamos a ouvir bem a voz de Britney por outras razões. O resto do "concerto" confirmou esta última hipótese.

Nova dúvida: estará Britney realmente a fazer um "playback" parcial (parece demasiado evidente para ser verdade) ou tem a voz protegida por efeitos de voz destinados, propositadamente, a disfarçar qualquer falha? Seja como for, esteve longe de encher as medidas.

Ela bem dançou. E mudou de guarda-roupa várias vezes. E exibiu os dotes que substituiram a voz: as curvas do corpo mergulhado na pretensa sensualidade das coreografias. Os êxitos estiveram lá, e muitos deles renovados, como o jazzy-cabaret de "Baby one more time". Entre batidas para mexer o corpo e baladas derrete-corações, houve espaço para temas como "Overprotected", "Boys" (a remix dos N.E.R.D.), "Everytime" ou "I'm a save 4 you".

Resultado final? Um espectáculo de plástico, sem lugar para qualquer tipo de espontaneidade. Uma Britney alegremente aprisionada dentro de um formato. Não era preciso vir. É melhor na televisão.

Sugababes: doçura na simplicidade

Já sabemos que é o dia "teen", o dia dos ídolos. O dia da postura criada, da imagem trabalhada e dos gestos estudados ao pormenor. No caso das Sugababes, tudo isto se reveste de uma mais-valia importante: três vozes que se conjugam em maviosos jogos de melodias R & B. Os fãs ficaram delicidados.

Sem lugar para trocas de roupa ou cenografias de encher o olho, as Sugababes deram um espectáculo despido, competente e muito bem oleado, construído sempre em torno das diferentes personalidades vocais de Heidi, Keisha e Mutya.

Ora em coreografias simples de dar às ancas numa subtil (e por isso forte) sensualidade, ora sentadas as três na companhia de uma guitarra acústica, fizeram as delícias de quem conhecia de cor as suas canções. Passaram por ali os três álbuns, em momentos como "Overload", "Run for cover", "Virgin sexy", "Whatever makes you happy", "Round and round" ou "Hole in the head".

João Pedro Pais: pela honestidade

Vinte minutos depois das 18h, entra em cena João Pedro Pais. O palco mundo é dele e da sua entrega e honestidade desarmantes. O público responde com um carinho que o deixa deslumbrado, emocionado e provavelmente arrepiado com os coros sucessivos. O jovem músico português assina assim uma prestação irrepreensível e tão agradável quanto profissional.

O "nosso Bryan Adams" tem o seu mérito. Chegou aqui sem fabricações - televisivas ou outras - nem máquinas por trás. Apenas com uma boa voz, alguma inspiração e bons músicos como cúmplices. E a tal humildade que se lhe associa. Fala de (des)amores, em recados pessoais em forma de canção. E em português, o que torna muito mais fácil que qualquer um se identifique com esses recados.

Mais que identificação, há aqui verdadeira comunhão com o público, que sabe de cor as letras de canções orelhudas q.b. como "Ninguém é de ninguém", "Louco", "Não há", "É mentira" ou "Nada de nada". Em vez de um ídolo, um talento que só se pode reconhecer.

Nuno Norte no Rock in Rio: sabem quem ele é

Depois dos tons carregados de ontem, o contraste. Em vez do negro, cores garridas. Em vez de botas da tropa, umbigos à mostra. Hoje é o dia assumidamente "teen" do festival e o público é exactamente o esperado: muitos adolescentes e, muitos deles, acompanhados dos pais. Voltou a família ao Rock in Rio.

São famílias que vêem televisão, consumidoras de imagens que não perdem programas caça-talentos-consensuais como os "Ídolos". É exactamente desse programa (da televisão oficial do festival) que vem o primeiro artista da noite. Chama-se Nuno Norte e a fatia de público que já se concentra em frente ao palco mundo mostra conhecê-lo bem.

Deste "ídolo" não se sabe ainda se tem ou não pés de barro. O à-vontade em palco é de quem há muito sonha com a fama e ensaiou momentos como este em frente ao espelho vezes sem conta. Mas a prova são as canções. Não há dúvida de que o músico do Porto tem uma voz rouca que dá cartas em qualquer karaoke. Onde convence mais é na versão de "Purple rain", de Prince, com que aliás ficou conhecido e com a qual termina obviamente o concerto.

Mas o que se vê aqui são canções compostas para gravar o disco no tempo recorde exigido por estes meandros. São (talvez por isso) canções para agradar sem um rumo definido, que ora são rock, ora rap, ora baladas ao piano sobre "o sofrimento de amar". Nada de novo. E nada que justifique a presença no palco principal - tantos outros músicos portugueses o mereciam mais. Mas não são "ídolos".

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