Massacre da Praça Tiananmen foi há 15 anos

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Pequim quer que este seja um tema esquecido na história do país Frederic J. Brown/AFP

Faz hoje exactamente quinze anos que os soldados do Exército de Libertação Popular disparavam indiscriminadamente sobre milhares de manifestantes que exigiam mais democracia na praça Tiananmen, em Pequim. Actualmente, pelo menos 50 entre eles continuam presos, e as detenções ainda não cessaram, alertava ontem a Amnistia Internacional (AI).

"A Amnistia Internacional recenseou mais de 50 pessoas que estão ainda presas pelo seu papel na sublevação, mas este número é apenas uma fracção do número real, que nunca foi tornado público pelas autoridades chinesas", diz a organização, com base em Londres. Tal como também nunca foi tornado público o número de quantos morreram no massacre: há quem refira várias centenas e há quem fale em perto de dois milhares. "Só recentemente foram descobertos os corpos de centenas de pessoas que foram mortas durante a intervenção do Exército, em túmulos anónimos, no centro do Pequim", acusa a AI.

A organização diz que "as pessoas continuam a ser presas, detidas, pelas suas ligações ao movimento pró-democracia de 1989". Ainda esta semana foram conhecidas várias detenções de familiares das vítimas: uma forma encontrada pelas autoridades para evitar que o dia fosse assinalado de alguma forma.

Uma página em branco

Pequim quer que este seja um tema esquecido na história do país, onde o assunto é tabu. Experimente-se fazer uma pesquisa na Internet com os números 6 (correspondente ao mês de Junho) e 4 (o dia do massacre) num motor de busca na China: o ecrã em branco é o que irá aparecer, escreve o "Asia Times". "Uma página em branco é exactamente o que o Governo chinês quer que seja a memória colectiva de 4 de Junho de 1989".

Esta semana, o Ministério dos Negócios Estrangeiros veio dizer que a intervenção militar foi fundamental para "permitir o desenvolvimento da economia" chinesa. E ordenou a todos os médios e altos funcionários dos seus ministérios que vissem um documentário de quatro horas sobre as manifestações, para que os jovens quadros fiquem a saber que o esmagamento da revolta não podia ser evitado. Ficarão também a saber que o então secretário-geral do Partido Comunista, Zhao Ziyang, foi responsável por um confronto com o líder Deng Xiaoping sobre a forma como responder ao movimento.

Zhao não quis apoiar a intervenção das forças armadas, e ao fim deste tempo, com 84 anos e uma saúde debilitada, continua em prisão domiciliária. Ao recusar-se a capitular nas suas posições, tornou-se num símbolo, afirma Andrew Nathan, da Columbia University, à BBC. "Continua a ser o símbolo da oportunidade perdida na altura para começar reformas políticas, e um símbolo do facto de que foi feito um mal enorme que está ainda oficialmente por reconhecer". Nathan continua: "Enquanto o regime não apresentar uma solução pública satisfatória para este assunto, continuará a ser uma vulnerabilidade política à volta da qual a oposição se pode mobilizar".

Embargo perto do fim

Mas mesmo que queira, Pequim não pode ignorar totalmente Tiananmen. Foi depois do massacre que EUA e União Europeia (UE) impuseram um embargo contra a venda de armas à China. Passados 15 anos, as autoridades chinesas consideram que é mais do que tempo para acabar com as restrições. Numa visita recente à Europa, o primeiro-ministro tentou convencer os líderes da UE de que o embargo se está a virar contra eles próprios e que estão a perder uma grande oportunidade de negócio: o orçamento chinês para a defesa cresce drasticamente de ano para ano. A França e a Alemanha estão dispostas a ceder, a Grã-Bretanha pode estar perto de fazer o mesmo.

Também as empresas americanas têm pressionado a Administração para acabar com as sanções para aumentar o comércio com o país mais populoso do mundo. Em 2002, a China tornou-se no maior receptor de investimento estrangeiro, e continuou a crescer no ano seguinte.

É possível, e até provável, que os governos ocidentais optem por levantar os embargos a Pequim. Mas estará a situação dos direitos humanos, que os motivou, melhor? É difícil saber. "Em áreas como liberdades pessoais - liberdade de movimento, acesso à informação, oportunidades económicas - as melhorias foram significativas", comenta Mixin Pei, do Carnegie Endowment, ao "Asia Times". "Mas, os direitos políticos dos cidadãos, em termos da sua capacidade de contestar decisões partidárias com discurso livre e liberdade de associação, não melhoraram. Ironicamente, a China está agora mais livre socialmente, mas politicamente mais reprimida, não em comparação com 1989, mas com meados dos anos 80, a idade de ouro das reformas na China".

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