Tapada das Necessidades dá amanhã o primeiro passo para regressar à glória do passado

Resgatar a Tapada das Necessidades, em Lisboa, do esquecimento a que há muitos anos está votada é um dos objectivos de um protocolo que será amanhã assinado pelo Ministério da Agricultura, entidade responsável pelo espaço verde.A magnitude da tarefa, que foi entregue à Associação Portuguesa de Jardins e Sítios Históricos, está patente no calendário das intervenções: mesmo que decorra sem entraves, a reabilitação dos dez hectares da tapada, situada ao lado do Palácio das Necessidades, só deverá estar pronta em 2015. Criada há cerca de um ano e tendo entre as suas finalidades ajudar a criar legislação que proteja os jardins históricos, a associação integra uma equipa que tem no seu currículo a recuperação do Jardim Botânico da Ajuda, também em Lisboa - para a qual conseguiu fundos da União Europeia e do Fundo de Turismo, entre outros, da ordem do meio milhão de euros. A sua fundadora, a arquitecta paisagista Cristina Castel-Branco, entende que a Tapada das Necessidades é igualmente candidatável a este tipo de verbas. "Mas se isto for tomado a sério vamos precisar de mecenas para o arranque", avisa.De jardim barroco setecentista, a Tapada das Necessidades torna-se também - quando D. Maria II casa em segundas núpcias com um estrangeiro, o príncipe de Saxe-Coburg-Gotha, D. Fernando II de Portugal - num local de experimentação botânica do jovem rei, que na altura não tinha mais de 20 anos. Para o ajudar chamou o famoso jardineiro francês Bonard.O que aqui resultava era transposto para o palácio e para o Parque da Pena, em Sintra. "A tapada foi o primeiro jardim paisagista de Portugal", explica Cristina Castel-Branco, que alude ao conteúdo botânico das cartas trocadas entre D. Fernando e a realeza inglesa, nomeadamente a rainha Vitória. Aos seus nove filhos, o marido de D. Maria proporcionou uma educação que incluía o contacto com bichos exóticos - a casa real chegou a importar um canguru - e o desenho das espécies animais e vegetais. Uma das ideias da Associação Portuguesa de Jardins e Sítios Históricos é voltar a promover aqui educação ambiental ligada também às artes.Tapada vai ter plano director Mas a primeira tarefa, que durará até ao final do ano que vem, consiste em elaborar um plano director para a tapada. Só depois - e se houver verbas para tal - o projecto avançará para o terreno, de modo a recriar, de forma faseada, o espaço florestal, artístico e de recreio de grande qualidade que ali existiu um dia.Paralelamente, o Ministério dos Negócios Estrangeiros vai avançar, através da mesma instituição, com a recuperação e a reposição do traçado original do Jardim do Buxo e da Horta dos Frades, que circundam o Palácio das Necessidades. Em troca, o Ministério da Agricultura cede à associação, em regime de comodato, três antigos edifícios na tapada: duas estufas e a chamada Casa do Regalo. Usados pela realeza como espaços de lazer e experimentação botânica, serão todos restaurados pelo grupo de Cristina Castel-Branco. Agora servirão de sede à associação, que diz reger-se pelos princípios da Carta de Florença, dedicada precisamente à preservação deste tipo de espaços. Classificada como imóvel de interesse público em 1983, a tapada alberga hoje uma escola gerida pela Misericórdia. O local também é frequentado pelos idosos que tomam parte nas actividades desenvolvidas pela Junta de Freguesia dos Prazeres. A manutenção das zonas verdes é feita por jardineiros da Câmara de Lisboa. Muitos deles ignoram que aqui funcionou, ainda no século XIX, aquela que terá sido a primeira máquina de cortar relva do país inteiro, importada de Londres por D. Fernando. O rei chegou a construir aqui um picadeiro, destruído já neste século para ali nascer, nos anos 70, o Instituto de Defesa Nacional. "A tapada chegou a ter mil espécies vegetais diferentes", conta Cristina Castel-Branco. A reabilitação pode passar por recriar uma das estufas de plantas exóticas da tapada ou por construir um borboletário.A arquitecta paisagista reconhece as imensas dificuldades de uma missão desta envergadura. Mas chama a atenção para os projectos congéneres que espanhóis e italianos, por exemplo, estão a desenvolver nos seus jardins antigos, e dos lucros que daí retiram, por via dos turistas que atraem. Às vezes em locais com muito menos potencialidades que a Tapada das Necessidades, acrescenta. "Aqui já se fez de tudo", recorda. "'Garden-parties', exposições de floricultura...". Muitas destas actividades de animação podem voltar a ter aqui lugar - desde que promovidas de uma forma cuidada, dentro da capacidade de carga do jardim. Por exemplo, não será nunca possível promover na Tapada das Necessidades eventos para milhares de pessoas.

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