A roda da vida

O cineasta coreano Kim Ki-Duk ganhou alguma celebridade no circuito dos festivais e do chamado cinema de "arte e ensaio" com um filme que se intitulava "A Ilha", mas que também ficou conhecido, coloquialmente, como "o filme dos anzóis". "Primavera, Verão, Outono, Inverno...e Primavera" é um filme completamente diferente.

Como o título "circular" indicia, o filme é também ele... circular. Divido em cinco episódios correspondentes cada um a uma das palavras do título, Primavera, Verão, etc..., é uma história centrada na relação entre um velho monge budista e um jovem aprendiz. No final, no derradeiro episódio, o jovem, que acompanhámos ao longo das diversas fases da vida, tornou-se, por sua vez, no "velho monge", que recebe, agora ele, um jovem aprendiz para guiar. Se é um filme aparentemente centrado no budismo e na sua visão e concepção do mundo, é curioso que Kim Ki-Duk, em entrevistas, tenha dito que ele próprio é cristão, conhece pouco do budismo e não fez nenhuma pesquisa especial para o filme. Acrescentou que os rituais mostrados (como a sessão de entalhamento de caracteres para aplacar a cólera do rapaz), assim como os ensinamentos e os aforismos proferidos pelo velho monge, são inteiramente da sua cabeça. "Primavera, Verão..." seria, desse modo, menos um "filme budista" do que uma visão, mais ou menos fundamentada (imaginamos que um cristão coreano esteja ainda assim mais próximo do budismo do que um cristão português, por exemplo), dos preceitos budistas, encarados a partir daquela perspectiva serena que corresponde também ao lugar-comum que no Ocidente se tem sobre as filosofias e religiões "orientais".

Seja isso ou não, apenas o primeiro episódio parece inteiramente satisfatório. É o mais simples também, o mais orgânico, o que parece mais sincero. Aquele que parece anunciar algo que o filme nunca chega a cumprir: por exemplo, a relação com a natureza, a absoluta integração do ser humano no meio ambiente, que é uma coisa que para os ocidentais tem algo de panteísta. As melhores cenas são as mais contemplativas, as que mostram o miúdo a "descobrir" a terra, a água, os animais - e depois a descobrir o (literal) peso da culpa por os ter maltratado, simbolizado pela pedra que o velho monge o obriga a carregar às costas. Em sentido comum e coloquial, os primeiros vinte minutos são os mais "zen" e os mais interessantes. Depois, Kim Ki-duk sente necessidade de criar uma "intriga" (o desaparecimento e regresso do rapaz), construir uma narrativa, e a sensação de unidade mantém-se apenas artificial e programaticamente. Só regressa no princípio do episódio final, quando o rapaz tornado velho monge regressa e percorre os lugares do início, numa estrutura de planos que reproduz a do princípio do filme.

Tem o seu charme, o filme, mas fica a milhas de um outro, realizado por Bae Yong-Kyun, que ganhou o Leopardo de Ouro de Locarno em 1989 e se chamava "Por que é que Bodhi Dharma foi para Leste?" - este muito mais intenso, mais austero, mais doce, e eventualmente mais sério.

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