Dois jovens arquitectos ganham concurso do Museu do Côa

Dois jovens arquitectos desconhecidos, Tiago Pimentel e Camilo Rebelo, ficaram em primeiro lugar no concurso público para a elaboração do projecto do Museu do Vale do Côa, cujo resultado foi ontem divulgado. Tiago Pimentel e Camilo Rebelo, com 31 e 32 anos respectivamente, têm "atelier" no Porto e o júri considerou "a solução arquitectónica extraordinária e carismática", atribuindo-lhes o prémio de 25 mil euros. Fernando Real, director do Instituto Português de Arqueologia (IPA) e presidente do júri, espera que a construção comece no início de 2006 e que o museu seja inaugurado no último trimestre de 2007. "Em princípio, será construído o projecto que ficou em primeiro lugar, mas agora passa-se à fase seguinte - saber quanto custa. O concurso criou uma imensa expectativa nacional e internacional. Localmente tem uma projecção enorme e não mentirei se disser que as pessoas se sentem defraudadas pelo tempo que levou este projecto-âncora. O dinheiro está previsto no III Quadro Comunitário de Apoio, é preciso concretizar a obra.", disse o arqueólogo.Com uma área coberta máxima de seis mil metros quadrados, o Museu do Côa tem orçamentado 8,5 milhões de euros para o edifício e acessos, mais quatro milhões de euros para a museologia. Concurso teve 42 concorrentesO júri deu o segundo prémio ao "atelier" CVDB (Cristina Veríssimo e Diogo Burnay), no valor de 18 mil euros, e o terceiro a Walter Rossa, no valor de 10 mil euros. Foram ainda atribuídas duas menções honrosas, de 3.500 euros cada, a Miguel Borges da Costa e a Pedro Borges de Araújo. O concurso, feito com a colaboração da Ordem dos Arquitectos, teve 61 arquitectos inscritos, mas apenas 42 concorreram. Para além do presidente do IPA, o júri foi composto pelos arquitectos Gonçalo Byrne, Amâncio Guedes (Ordem dos Arquitectos), Flávio Lopes (Ippar), João Herdade (IPM), pelo paisagista João Gomes da Silva (Associação dos Arquitectos Paisagistas) e pelo presidente da Câmara de Vila Nova de Foz Côa, Sotero Ribeiro.No relatório do júri, escreve-se que o trabalho apresenta "uma figura forte, capaz de responder com clareza e intensidade aos valores da paisagem e do território". Diz-se também que a solução é "uma inventiva e adequada resposta à integração na envolvente", revelando-se o acesso "bem pensado", porque introduz "um compasso de espera entre a chegada, com uma noção clara da paisagem e da envolvente, e a descida aos espaços dos museus".O arquitecto Gonçalo Byrne disse que os dois arquitectos propuseram "um grande objecto de 'land art'", referindo-se ao movimento artístico nascido nos Estados Unidos no final dos anos 60 e que propôs fazer obras de arte a partir da natureza e do território - a paisagem surge assim como meio. "Construir num sítio daqueles é um desafio dificílimo. Ou se desaparece quase para deixar a paisagem falar ou então intervém-se com um grande objecto. Este grande objecto de 'land art' agarra-se à escala da paisagem, mede-se um pouco com ela porque cria uma geometria inesperada. É uma tensão entre a grande forma natural e a forma do museu que é claramente desenhada", explicou Byrne.Dupla vai construir primeiro projecto Camilo Rebelo fez o estágio com os suíços Herzog & de Meuron, enquanto Tiago Pimentel passou pelo "atelier" de João Álvaro Rocha, no Porto. Se tudo correr bem, este é o primeiro projecto que os dois vão construir em conjunto, embora cada um já tenha uma obra construída.O tema mais forte que trabalharam, explicou Tiago Pimentel, foi a relação com a paisagem. A referência em termos de projecto não é a obra de outro arquitecto, mas a do artista Richard Serra e as suas intervenções de "land art". Camilo Rebelo diz que o museu é entendido como "uma intervenção na paisagem". O edifício é um monólito quase cego com janelas em frestas, semi-enterrado, que atinge os oito metros de altura quando se vira ao vale - esta fachada tem grandes superfícies envidraçadas, janelas que são espelhadas do lado de fora de forma a reflectirem a paisagem. O acesso ao museu faz-se pela cobertura do edifício, que os arquitectos descrevem com um terreiro de chegada.Através de uma descida demorada por uma rampa de 80 metros, sai-se da luz do dia e entra-se devagar na penumbra. O projecto parte também da ideia que o museu é o oposto da experiência das gravuras, feitas na rocha do vale a céu aberto. "Procurámos o escuro, o contrário das gravuras a céu aberto, mas ao mesmo tempo que fosse o prolongamento do exterior", explicou Tiago Pimentel. O acesso tem a expressão de uma falha na cobertura do edifício. A ideia de fenda, de falha geológica, está presente em várias partes do projecto, desde o desenho do acesso na cobertura, às frestas das janelas, à textura do betão em que o edifício é construído (a cofragem é vertical, feita com ripas de madeira). Apesar de o betão estar bastante presente em grandes intervenções na paisagem do Douro, como as barragens, os arquitectos quiseram que o material se misturasse com a envolvente. "A maneira de o fundir com a paisagem foi misturar o xisto com o betão", explicando Tiago Pimentel que o betão tem na sua composição pigmento de xisto e material inerte da mesma pedra. O arquitecto diz que a cor do betão será castanho-amarelado, próximo da cor da terra.No interior, as paredes da zona da exposição permanente são construídas em xisto. A pedra é cerrada em placas de arestas vivas e empilhada de forma a construir as paredes, assumindo aqui os arquitectos a influência das Termas de Vals de Peter Zumthor, um dos edifícios mais conhecidos da arquitectura suíça recente.

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