Doze semanas de julgamento de Marc Dutroux deixaram tudo na mesma

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Marc Dutroux Didier Bauwaerts/EPA

A primeira fase de um julgamento fortemente mediatizado, iniciado a 1 de Março, depois de quase oito anos de uma instrução envolta em grande polémica, terminou na quarta-feira no tribunal de Arlon, uma pequena cidade no Sul do país.

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A primeira fase de um julgamento fortemente mediatizado, iniciado a 1 de Março, depois de quase oito anos de uma instrução envolta em grande polémica, terminou na quarta-feira no tribunal de Arlon, uma pequena cidade no Sul do país.

O processo é retomado na segunda-feira com o arranque da fase das alegações: três dias para as famílias das vítimas, um dia para o Ministério Público, uma semana para a defesa, três dias finais para as réplicas - o que significa que os 12 membros do júri popular deverão iniciar as deliberações a 14 de Junho, por tempo indeterminado.

As audiências, que se arrastaram ao ritmo de quatro dias por semana, não permitiram levantar a nebulosa persistente sobre o conjunto dos crimes mais abomináveis que o país alguma vez conheceu: o rapto, sequestro e violação de seis crianças e adolescentes e a morte de quatro delas, entre Junho de 1995 e Agosto de 1996.

Nenhum novo elemento foi levado à barra do tribunal que permitisse clarificar as circunstâncias exactas destes crimes, ou o papel neles desempenhado pelos quatro réus - Dutroux, a sua ex-mulher Michelle Martin, o toxicodependente Michel Lelièvre e o homem de negócios duvidosos Michel Nihoul.

"Crentes" e "descrentes"

Os debates não permitiram igualmente atenuar o fosso que separa os dois grupos de opinião em que o país se dividiu nos últimos oito anos, os "crentes" e os "descrentes". Os primeiros encaram Dutroux como peça de uma rede de pedofilia protegida ao mais alto nível, enquanto os segundos consideram, tal como o juiz de instrução, Jacques Langlois, que o pedófilo agiu sozinho.


O próprio Langlois foi vezes sem conta acusado de ter precipitado o inquérito passando ao lado de uma série de pistas dadas como essenciais por testemunhas ou polícias. De tal forma que as audiências de Arlon estiveram várias vezes em risco de resvalar para um"processo do processo", uma evolução que os advogados de defesa não desdenhariam, para desviar as atenções dos seus clientes.

Continuam por explicar, por exemplo, as lacunas da investigação desenvolvida pela "gendarmerie" (equivalente da GNR), que, desde o rapto de Julie Lejeune e Melissa Russo, de oito anos,em Junho de 1995, já tinha Dutroux debaixo de olho enquanto suspeito número um. Apesar disso, os seus membros não só não facultaram a devida informação à então juíza de instrução, de modo a permitir-lhe agir, como falharam as duas buscas realizadas à casa de Dutroux, tendo passado a milímetros das duas crianças fechadas no esconderijo construído pelo pedófilo na sua cave - e cuja existência, aliás, era conhecida da polícia.

Ninguém consegue explicar, igualmente, como é que Julie e Melissa, que foram desenterradas do jardim de Dutroux 14 meses depois, conseguiram sobreviver nesse mesmo esconderijo alegadamente sem comida - porque a mulher do pedófilo recusou alimentá-las - durante os três meses em que este esteve preso por roubo, entre Dezembro de 1995 e Março de 1996. Ou morreram de fome muito antes da libertação de Dutroux e este mente, quando afirma que ainda estavam vivas, embora agonizantes, quando regressou a casa; ou alguém frequentou a casa para as alimentar, ou as retirou temporariamente do esconderijo durante os três meses da ausência do pedófilo. Quem é a questão que continua sem resposta, mas que reforça a tese dos "crentes".

A coragem de Sabine e Laetitia

Nenhum esclarecimento permitiu, por outro lado, saber exactamente quem raptou e matou An Marchal e Eefje Lambrecks, raptadas em Agosto de 1995 com 17 e 19 anos, respectivamente, e enterradas vivas poucas semanas depois no jardim de Dutroux.

O mistério mantém-se igualmente intacto sobre o papel de Michel Nihoul nesta lista de crimes, embora permaneça sob suspeita de ser o elemento de ligação entre Dutroux e uma eventual rede de pedofilia. O seu caso é agravado pelas mil pastilhas de"ecstasy" que entregou a Michel Lelièvre, o cúmplice de Dutroux, no dia a seguir ao rapto, a 9 de Agosto de 1996, de Laetitia Delhez, de 14 anos, a sexta vítima do pedófilo.

Para a acusação, esta entrega terá sido o preço pago por Nihoul pelo rapto de Laetitia. Mas esta, tal como a outra vítima sobrevivente, Sabine Dardenne,com 12 anos quando foi raptada em Maio do mesmo ano, garantem que durante o seu sequestro não viram mais ninguém além de Dutroux e Lelièvre,embora este último apenas no momento do rapto.

Os depoimentos de Sabine e Laetitia constituíram, aliás, dos momentos mais fortes do julgamento, com o país suspenso e comovido pela coragem com que ambas relembraram o verdadeiro calvário a que foram submetidas por Dutroux.

Se ninguém duvida que Dutroux será condenado a prisão perpétua, a pena dos restantes três réus constitui a grande incógnita das deliberações dos jurados. A partir de 14 de Junho.