"Plan of Attack": A crónica de Bob Woodward de uma guerra anunciada

Um dos trechos mais discutidos de "Plan of Attack", o livro do jornalista Bob Woodward sobre o caminho para a guerra no Iraque, vem logo no prólogo, quando descreve um encontro entre o Presidente dos EUA, George W. Bush, e o seu secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, a 21 de Novembro de 2001, dois meses após os ataques terroristas de 11 de Setembro."'Quero que...', começou o Presidente, e como é seu hábito reiniciou a sua frase. 'Que tipo de plano é que temos para o Iraque? Qual é sua opinião sobre um plano de guerra para o Iraque?'" Rumsfeld respondeu que os planos existentes estavam desactualizados, e que era necessário trabalhar num novo.O diálogo foi interpretado no debate público dos EUA como testemunho de que a Administração Bush começou a pensar muito cedo em derrubar Saddam Hussein pela força. É uma das revelações que mais tem dado que falar nos dias desde que o livro de Woodward foi publicado.Mas mais adiante Woodward revela que a ideia foi levantada ainda mais cedo: no próprio 11 de Setembro. "Às 2h40 desse dia [...] Rumsfeld perguntou ao seu 'staff' sobre a possibilidade de ir atrás do Iraque em resposta ao ataque terrorista, de acordo com as notas de um assessor.""Saddam Hussein é SH nessas notas, Osama bin Laden é UBL. As notas mostram que Saddam falou em 'atacar SH ao mesmo tempo - não apenas UBL', e pediu ao advogado do Pentágono para falar com [o secretário da Defesa Adjunto] Paul Wolfowitz sobre 'a relação entre o Iraque e UBL'.""Plan of Attack" é um livro incomum. Normalmente é preciso esperar uma geração até que seja publicado um relato como o de Bob Woodward, repleto de tantos pormenores e com testemunhos directos dos principais actores políticos de uma crise. Woodward teve acesso aos arquivos de memorandos e notas da Casa Branca. O jornalista do "Washington Post" entrevistou 75 "personagens cruciais" da Administração Bush, incluindo "três horas e meia" de conversas com o próprio Presidente no final do ano passado.Por que é que a Casa Branca se dispôs a cooperar com Woodward? Por um lado, porque a reputação deste jornalista é temível em Washington. Woodward foi um dos repórteres que nos anos 70 descobriu o caso Watergate; muitos políticos americanos acham melhor colaborar com Woodward nas suas investigações, porque ele acabará sempre por obter a história de que está à procura.Por outro lado, há a abertura do sistema político americano. É quase impensável o conceito de um livro sobre os bastidores da guerra no círculo restrito de Tony Blair, Jacques Chirac ou Durão Barroso -mais ainda de um relato destes sobre Saddam Hussein. Mas na América, mesmo uma Administração considerada das mais resistentes a "fugas" de informação é permeável - nos últimos meses, saíram o livro de Richard Clarke sobre o pré-11 de Setembro, e o do jornalista Ron Suskind com revelações do ex-secretário das Finanças de Bush, Paul O'Neill.Finalmente, a Administração Bush estaria à espera de beneficiar do livro de Woodward. A obra anterior deste jornalista, "Bush at War", tecia uma descrição bastante favorável de como o Presidente conduziu a guerra do Afeganistão. Um sinal de que Bush esperava que "Plan of Atack" também fosse útil à sua imagem é que o "site" na Internet da sua campanha ainda cita o livro de Woodward como "leitura recomendada". Mas a imagem final não é muito positiva para Bush.Woodward não quer fazer em "Plan of Attack" uma história crítica ou analítica. O seu propósito é construir uma narrativa sobretudo a partir dos documentos e das declarações dos seus entrevistados.Nessa narrativa, a personagem central é George W. Bush, que Woodward descreve como "concentrado, directo, prático, embora não [tenha um discurso] naturalmente articulado". Ao contrário da ideia muitas vezes apresentada pelos seus críticos de um simplório manipulado pelos seus conselheiros, Bush aparece como o ponto fulcral de todas as decisões.Grande parte do livro é passada a descrever como os conselheiros de Bush brigam entre si para persuadir o Presidente a ir na sua direcção. A relação entre o vice-presidente Dick Cheney e o secretário de Estado Colin Powell é revelada como particularmente tensa."Powell notou silenciosamente que as coisas só se decidiam depois de o Presidente falar com Cheney", escreve Woodward. O conflito entre Cheney e Powell, entre "falcões" e "pombas", está implícito em quase todo o livro: "Às vezes, as preparações para a guerra ajudaram a diplomacia; muitas outras vezes, foram um obstáculo a ela."O Departamento de Estado de Powell, responsável pela diplomacia, viu as preparações para a guerra com muito mais ansiedade que o Pentágono e Cheney. "[O secretário de Estado adjunto Richard] Armitage ficou chocado com o que considerou excessos e hipérbole [na apresentação dos argumentos a favor da invasão]. [O chefe de gabinete de Dick Cheney Lewis] Libby tirava apenas as conclusões mais graves a partir de fragmentos e informações dúbias."Para os leitores com opiniões contra a guerra, Dick Cheney será o maior "vilão" da narrativa: "Alguns dos seus colegas viam [o seu interesse pelo Iraque] como uma 'febre', até mesmo uma perturbante obsessão. Para Cheney, tratar de Saddam era um imperativo."Algumas das histórias contadas por Woodward foram desmentidas pela Casa Branca. Por exemplo, a sua afirmação de que o embaixador saudita nos EUA, Príncipe Bandar, foi avisado de que já tinha sido tomada uma decisão final sobre a guerra ainda antes de Colin Powell, o "número três" na hierarquia oficial do Governo americano, o saber.Mas a maior parte do livro não é contestada. Por exemplo, a oferta de Bush ao primeiro-ministro britânico Tony Blair de deixar o Reino Unido fora do conflito. O Presidente americano receava que uma guerra colocasse Blair numa situação insustentável junto da sua opinião pública."Se ajudar, disse Bush, ele aceitaria que Blair saísse da coligação e encontraria outra forma de o Reino Unido participar. [...] 'Agradeço-lhe, mas estou consigo até ao fim', disse Blair."Woodward faz um relato bastante exaustivo, que inclui uma descrição da cimeira pré-guerra na Terceira entre Bush, Blair, o então primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar e o chefe de Governo português. Bush terá dito aos seus parceiros que "a guerra tem de começar numa questão de dias, não semanas", porque as opiniões públicas na Europa e na América "não iam melhorar".Os elementos mais devastadores do livro têm a ver com a preparação do "dossier" contra Saddam Hussein. Segundo Woodward, no final de 2002 o director da CIA, George Tenet, e o seu adjunto, John McLaughlin, apresentaram a Bush os seus elementos sobre as armas de destruição maciça de Saddam Hussein. Pelos vistos, o Presidente americano não ficou convencido."'Boa tentativa', disse Bush. 'Não acho que isto seja bem - não é uma coisa que o 'Zé Povinho' vá compreender ou em que vá ter muita confiança.' [...] O Presidente virou-se para Tenet e perguntou: 'Disseram-me que havia tantas informações sobre [Saddam] ter armas de destruição maciça e isto é o melhor que se arranja?"Segundo Woodward, Tenet respondeu: "Não se preocupe. Isto é um 'slam dunk'." "Slam dunk" é jargão americano para descrever um afundanço no basquetebol; a expressão é usada metaforicamente para descrever uma situação clara e simples.Além da relevância política de grande parte do seu conteúdo, "Plan of Attack" também tem histórias sobre os meandros da política, algumas cheias de cor - como a reacção do general Tommy Franks, responsável pelo Exército americano no Médio Oriente, quando lhe falaram (ainda com a guerra no Afeganistão em curso) na hipótese de um ataque contra Saddam: "What the fuck are they talking about?"No último parágrafo do livro, Woodward pergunta a Bush como é que ele acha que a história o vai julgar. A resposta do Presidente: "'História', disse ele, encolhendo os ombros [...] 'Não saberemos. [Nessa altura] já estaremos todos mortos."

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