A comédia do imobiliário

Uma coisa tem que se admitir: não falta coragem a Chantal Akerman. A cineasta belga passou um dos piores bocados da sua carreira na sequência de um "Um Divã em Manhattan", a "comédia à americana" que ansiava fazer desde sempre e que finalmente concretizou em 1996. O filme dividiu a crítica: houve quem gostasse bastante, mas a maior parte não gostou. "Um Divã em Manhattan" acabou por se saldar num fracasso, pelo menos aos olhos da própria Akerman. Em entrevistas na altura de "A Captiva", o seu (óptimo) filme de ficção seguinte, deu conta do estado depressivo em que esse fracasso a lançou, e do modo como durante algum tempo se desinteressou do cinema. Quando regressou, fê-lo pela porta do documentário ("Sud", de 1999) e só depois voltou à ficção. Mas eis que agora Akerman volta ao local do crime: "Amanhã Mudamos de Casa", a caber num género (e Akerman tem uma fixação pela ideia dos "géneros", no sentido dado ao termo pelo cinema americano), cabe no da comédia, com uns laivos de musical, que de resto também era, confessadamente, uma velha aspiração sua. A ideia-base é bastante simples: uma mãe (Aurore Clément, actriz "clássica" no cinema de Akerman) e uma filha (Sylvie Testud, que foi a "captiva") têm a casa à venda, pela segunda vez em pouco tempo. Simultaneamente, a filha, candidata a romancista, procura um estúdio onde se possa isolar para escrever. Basicamente, a "acção" do filme consiste nas visitas de potenciais compradores da casa delas, e nas visitas de Testud aos lugares que eventualmente alugará.

O lote de personagens secundárias que assim entra em cena, do velho proprietário (Jean-Pierre Marielle) que tenta alugar um apartamento a Testud a duas visitas que se tornam recorrentes em casa dela e de Clément (Lucas Belvaux e Natacha Régnier), fornece as "histórias", permitindo o agrupamento "familiar" que acaba por ser um dos pontos determinantes do filme.

Difícil é dizer que "Amanhã Mudamos de Casa" seja uma obra conseguida. Akerman ter dado azo aqui à sua vontade de "movimento", não deve haver nenhum filme na obra dela que seja tão movimentado - sobretudo se levarmos em conta o que foram os seus filmes nos anos 70 e 80, onde havia um investimento formal extremamente duro que estava longe de passar pela fluidez ou pela rapidez narrativa. É um filme que toca num tema caro à cineasta: o espaço doméstico, a casa, simultaneamente refúgio e prisão, que é uma questão sempre fundamental no seu cinema (um exemplo remoto: "Jeanne Dielman..." e dois recentes: "Um Divã em Nova Iorque" e "A Captiva"). Mas falta aqui um contrapeso qualquer, falta a gravidade que dê um movimento vertical às personagens e as prenda a uma relação com o espaço - "Amanhã Mudamos de Casa" é demasiado "horizontal", demasiado obcecado com uma leveza que permita às personagens "varrerem" o espaço sem nunca se fixarem propriamente. E com isso é o filme que dá a impressão de nunca se fixar, de ser qualquer coisa excessivamente "planante", sem uma consistência que lhe dê um outro tipo de rigor e de determinação.

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