Kraftwerk: os robôs pedalam até Lisboa

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Ao longo dos anos, os Kraftwerk mudaram diversas vezes de formação, mas Florian Schneider e Ralf Hütter têm-se mantido à frente do projecto DR

Para os do rock, os Rolling Stones é que são. Para os da pop, ninguém bate os Beatles. Para as gerações electrónicas, o mito fundador dá pelo nome de Kraftwerk. Mas não apenas. Bono, dos U2, diz que "tiveram influência decisiva sobre ele". David Bowie refere que "são únicos". Karl Hyde, dos Underworld, recorda-se de ter pensado, quando os ouviu pela primeira vez, "que não existia nada assim no planeta onde vivia". Os artistas plásticos Gilbert & George são fãs.

Em Outubro do ano passado regressaram com o álbum "Tour de France Soundtracks" - o seu primeiro registo de originais em mais de uma década -, mas no primeiro espectáculo em Portugal vão apresentar também os temas mais emblemáticos.

Ao longo dos anos, mudaram diversas vezes de formação - o produtor português Fernando Abrantes integrou a formação em 1991 -, mas Florian Schneider e Ralf Hütter têm-se mantido à frente do projecto. Este último, o líder e porta-voz, raramente dá entrevistas e quando o faz revela o menos possível, como o PÚBLICO confirmou. Afinal, o mito tem que persistir.

PÚBLICO - Num dos poucos espectáculos que deram nos últimos anos, em 1998, no Festival Sónar de Barcelona, utilizavam projecções vídeo, animações infográficas e robôs que se diluíam por entre os músicos. O que mudou desde então?


RALF HÜTTER

- Em 2004, temos os Kraftwerk em versão computador-portátil. Todo o nosso material analógico foi reconvertido para o formato digital e essa é a grande diferença. Até há pouco tempo era-nos praticamente impossível transportar todo o nosso material dos estúdios Kling Klang. Era difícil viajar com tecnologia tão pesada. Hoje, com os portáteis e com a cultura digital, é mais fácil realizar uma digressão mundial como aquela que estamos a fazer.

P.- Nos espectáculos desta digressão têm tocado os temas mais conhecidos. É isso que irá suceder em Portugal?

R.- Será uma mistura desses temas com as novidades de "Tour de France Soundtracks". Será uma atmosfera muito audiovisual, com as projecções sincronizadas com a música. Estivemos na Escandinávia recentemente e foi maravilhoso! As pessoas entendem a música electrónica, mas foi óptimo quebrar um pouco mais o gelo... [risos]. Já passámos pelo Japão, regressámos à Europa e segue-se Portugal. Na era digital, podemos viajar e tudo funciona na perfeição.

P.- Mudaram para o digital, mas o imaginário do último álbum, "Tour de France Soundtracks", mantém-se. Mais do que um grupo, são um conceito de imagem-som perfeitamente definido, o que também cria resistências por quem espera que mudem.

R.- O conceito Kraftwerk, tal como foi definido por mim e por Florian [Schneider] nos anos 70, não sofreu grandes alterações. É essa a nossa identidade e não a queremos perder, mas isso não quer dizer que não estamos atentos ao que se passa à nossa volta e que não tentamos transformar-nos à nossa maneira. A nossa música electrónica tem vindo, gradualmente, a mudar. Está mais energética e "Tour de France Soundtracks" reflecte isso.

P.- Ao longo dos anos, sofreram alterações na formação, mas você e Florian Schneider mantiveram-se na liderança desde 1968. Qual o segredo da longevidade dessa relação?

R.- Já lá vão 40 anos. Somos como Kling e Klang... [risos]. É um casamento electrónico perfeito.

P.- No último álbum regressaram ao conceito do ciclismo. Não é propriamente a primeira imagem que nos ocorre quando imaginamos o futuro. De onde vem esse fascínio?

R.- Adoro andar de bicicleta. As bicicletas representam energia, progresso sustentado e atento aos valores humanos, andar para a frente, o entendimento perfeito entre homem e máquina. Não podemos fazer marcha atrás com bicicletas. Com a música acontece o mesmo - o que interessa é andar para a frente, estar atento ao tempo e espaço, manter o balanço certo e encontrar o nosso ritmo. O ano passado, quando estávamos a terminar o álbum, tivemos um convite do director da Volta à França para seguir algumas etapas de helicóptero e no carro oficial. Foi magnífico e permitiu-nos desenvolver as últimas ideias com total confiança no conceito que estávamos a desenvolver. Quando o "Tour" terminou em Paris, tínhamos o disco pronto.

P.- Fala em ritmo e energia, mas nos espectáculos são conhecidos pelas expressões impassíveis e pelos movimentos reduzidos ao essencial. É apenas a música que tem que ser dinâmica?

R. - Ah! Mas nós somos superactivos, emocionalmente e fisicamente. Estamos completamente despertos, mas a manipulação dos computadores e dos teclados é muito sensível e não nos deixa espaço para grandes movimentações. Temos que estar concentrados para não cometer erros.

P.- São um dos grupos mais influentes da música popular e um dos mais citados pelas novas gerações. Como é que lidam com frases como os "Beatles electrónicos"?

R.- É uma energia muito positiva que nos é transmitida por pessoas mais novas. É bom chegar aos 50 anos e, onde quer que vamos, seja a Jamaica ou o Japão, sermos bem recebidos, o que prova que a música electrónica, apesar das diferentes linguagens, ultrapassa eventuais diferenças culturais. É uma forma de comunicação que se impôs, o que, para nós, é um enorme cumprimento. Quando começámos, no final dos anos 60, estávamos confinados às galerias de arte ou às universidades e é gratificante vermos como as coisas mudaram desde então.

P.- O ano passado entrevistámos Fernando Abrantes, que integrou os Kraftwerk em 1991. Dizia-nos ele que, depois dos concertos, era comum deslocarem-se a clubes de música de dança para tomarem contacto com o que se andava a ouvir. Continuam a fazê-lo?

R.- Sim, depois dos espectáculos, normalmente existe sempre alguém que nos convida para ir a clubes de música. É óptimo para praticarmos um pouco da nossa dança robótica e para ouvirmos o que se anda a fazer. Esperamos que em Portugal alguém nos convide. Recordo-me bem do Fernando [Abrantes], fez uma digressão connosco, é um excelente músico, e é muito amigo de um dos nossos engenheiros electrónicos, Fritz Hilpert.

P.- Diz-se que esta será a última oportunidade para ver os Kraftwerk ao vivo, mas também existe quem diga que irá ser lançado um álbum ao vivo depois do final da digressão. Corresponde à verdade ou vão estar mais dez anos parados?

R.- O álbum ao vivo é uma possibilidade e vamos, sem dúvida, editar mais discos. Em Junho, depois da última data da digressão, em Moscovo, vamos parar e decidir o que vamos fazer, mas estivemos tanto tempo sem lançar nenhum disco, devido ao trabalho de masterização e catalogação do material antigo, que estamos desejosos de voltar a estúdio para criar material novo.

KRAFTWERK

LISBOA, Coliseu dos Recreios. R. Portas St. Antão. Tel.: 213240580


Hoje às 22h00. Bilhetes a 25 euros.


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