A outra face da bela acácia

As plantas conhecidas por "mimosas" ou "acácias" que enchem de cor e de cheiros a nossa Primavera, passaram há muito a ser um elemento comum das paisagens nacionais. Como resultado da sua origem subtropical, especialmente Austrália, as plantas do género Acacia ocorrem por todo o Portugal temperado, onde rapidamente suplantaram as espécies locais. Leguminosa heliófita (=que gosta de sol), de crescimento muito rápido e bastante bem adaptada a situações de carência de água, está extremamente à vontade no nosso clima onde as temperaturas amenas e o elevado grau de pluviosidade lhe permitiram a instalação em praticamente todo o país. A esta elevada apetência pelo sol, alia-se uma grande resistência ao fogo que se manifesta não só pela sua capacidade de regenerar de cepa (a partir do tronco ou das raízes), mas também pela elevada resistência das suas sementes às temperaturas elevadas (é conhecida a capacidade das suas sementes em permanecerem viáveis por períodos de três a quatro décadas).Sem grande interesse como essência florestal para produção de madeira, as plantas do grupo conhecido por Mimosas ou Acácias foram introduzidas em Portugal pela sua capacidade de crescimento rápido e utilizada pelos extintos Serviços Florestais nas reflorestações de dunas litorais. A ideia era tirar partido da sua grande capacidade de crescimento em condições de aridez extrema para conseguir acelerar o estabelecimento de povoamentos florestais nos sistemas arenosos do litoral, considerados pouco ou nada produtivos. Em situações pontuais, a sua plantação terá contribuído para a fixação de algumas dunas móveis. A robustez destas plantas, permitiu ainda a sua plantação em situações de solos encharcados.Curiosamente, a história desta planta em Portugal teve duas faces distintas. A sua introdução foi (e para alguns ainda é) considerada por muitos como um caso de sucesso da engenharia florestal. Planta bonita, de flor agradável e cheiro intenso, a primeira vista é difícil compreender porque razão actualmente a legislação nacional proíbe a sua plantação. Viana do Castelo, onde o sobranceiro Monte de Stª Luzia se cobre de amarelo no final do Inverno devido à extensão da área coberta por esta planta, dedicou-lhe durante muito tempo uma festa: a festa da Mimosa. O passar dos tempos revelou, no entanto, uma outra face. Mais uma vez se verificou quão perigoso é mexer na natureza. Tal como em muitas outras situações, a introdução de indivíduos estranhos ao ambiente receptor acaba sempre por produzir mais estragos do que ganhos (lagostim-americano, jacinto-de-água, truta arco-íris, achigã...). Regra geral, o ambiente receptor não está preparado para "lidar" com o elemento estranho, pela simples razão de não ter ocorrido uma co-evolução com este. Num sistema florestal natural, todos os organismos presentes são o resultado de uma evolução conjunta, que dotou o sistema de mecanismos de autocontrolo capazes de limitar aumentos excessivos da importância de um dos seus elementos face à situação de equilíbrio. No caso das Mimosas, esses mecanismos não funcionam nas comunidades onde foram introduzidas. Planta inofensiva na sua terra de origem, onde esses mecanismos existem, em Portugal a sua presença é desastrosa. A partir do momento em que se instala, induz alterações irreversíveis nos sistemas que coloniza, levando não só à eliminação da vegetação espontânea mas também a alterações na fauna local. Não é conhecido herbívoro nenhum em Portugal que possa alimentar-se destas plantas, bem como qualquer parasita que a afecte. O seu crescimento rápido, aliado à elevada resistência à passagem dos incêndios leva a que rapidamente colonize locais onde a cobertura espontânea tenha sido destruída. A partir do momento em que se consegue sobrepor às restantes espécies, o ensombramento que produz faz com que a regeneração natural da vegetação seja impossível. Ora sem vegetação natural não há alimento para os herbívoros, com os consequentes reflexos na cadeia trófica, o que resulta num empobrecimento generalizado dos locais onde as Mimosas se instalam.Parafraseando o Instituto Florestal das Ilhas do Pacífico, dos EUA (http://www.hear.org/pier/index.html):"... todas as acácias devem ser encaradas como suspeitas. Se forem introduzidas, devem ser cuidadosamente monitorizadas (ou, melhor ainda, não devem, de todo, ser introduzidas)". Acreditaria o leitor se lhe dissesse que o vulgar estorno (Ammophila arenaria), fundamental na fixação das dunas europeias e protegido por lei, é considerado uma praga a eliminar nos Estados Unidos da América, onde foi introduzido com o intuito de fixar as dunas locais?

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