Lídia Jorge venceu Prémio Correntes d'Escritas

Já tinha vencido a maior das distinções portuguesas, o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (APE). Agora, um ano depois, Lídia Jorge voltou a ver o seu excelente romance "O Vento Assobiando nas Gruas" (Edição Dom Quixote) ganhar o primeiro Prémio Literário Correntes d'Escritas/Casino da Póvoa, no valor de 10 mil euros.À semelhança do que tinha acontecido quando foi galardoada pela APE, a escritora desabafou: "Mesmo quando se fica na 'short-list', penso sempre que quem vai ganhar é outro. Mais uma vez, não estava nada à espera de ganhar".Mostrando-se algo emocionada, a escritora recordou que quando ouviu a declaração do júri lembrou-se de Eça de Queirós, que nasceu na Póvoa de Varzim: "Senti que estava a cometer uma injustiça para com ele, que lhe roubei uma coisa. Eça, no fim da vida, estava carregado de dívidas e nunca venceu nenhum prémio. Eu, com este livro, ganhei dois", explicou a escritora ao PÚBLICO.A decisão do júri não foi, porém, unânime - longe disso... Nem foi tomada facilmente. "As coisas podiam ter-se tornado difíceis, se um de nós não tivesse aberto o jogo e desempatado", disse ao PÚBLICO um dos jurados. O júri - constituído por Carlos Reis, Isabel Pires de Lima, Vergílio Alberto Vieira, José Viale Moutinho e Artur Queirós - dividiu-se: os três primeiros votaram em Lídia, os restantes noutro grande romance sobre Portugal contemporâneo: "No Interior da Tua Ausência" (ASA), de Baptista-Bastos. A concurso estiveram 69 livros, de onde saíram nove finalistas, entre os quais o português Manuel António Pina, a chilena Michela Serrano e os espanhóis Arturo-Péres Reverte e Juan José Milás (nomes de peso, muito peso...).Nas declarações individuais, os jurados - mesmo os que foram vencidos - não deixaram, como José Viale Moutinho, de salientar "o talento romanesco" da autora de "O Vale da Paixão". Os que votaram na romancista justificaram-se de outro jeito, é óbvio. Se para Carlos Reis foi "a equilibrada inovação da escrita" da ficcionista, já Vergílio Alberto Vieira sublinhou que com "O Vento Assobiando nas Gruas" "aprendemos a ser humanos". Confrontando-nos com um Portugal multicultural - num cenário algarvio algo mágico, como acontece em muitas outras obras de Lídia Jorge -, já povoado por uma família cabo-verdiana, "O Vento Assobiando nas Gruas", sublinhou Isabel Pires de Lima, na mais extensa declaração, é, sobretudo, uma "belíssima história de amor".Tudo (ou quase...) se passa em torno de uma personagem feminina única - Milena, uma oligofrénica, uma doença mental que atrasa o crescimento emocional e intelectual - que, nota Pires de Lima, "no contacto com a diferença social e cultural, se torna capaz de assumir a sua própria diferença individual, "se torna capaz de assumir a sua própria diferença individual e de aceder ao amor".Nascida em Boliqueime, no Algarve, em 1946, Lídia Jorge estreou-se em 1980 com "O Dia dos Prodígios". Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, rumou para (e viveu em) Moçambique no início dos anos 70, vivência que viria a derramar em "A Costa dos Murmúrios", porventura o seu livro mais conhecido, e certamente o mais estudado.Eduardo Lourenço - que ontem à tarde deu a única conferência do dia do encontro, falando sobre "O Lugar da Literatura no Século XXI", tema que voltará a ser debatido durante o Correntes d'Escritas - disse, um dia, que Lídia Jorge pertencia à "geração literária da Revolução". Hoje é uma "estrela" polar no firmamento da literatura portuguesa e europeia contemporânea. Para o próximo ano, o Prémio Corrente d'Escritas vai distinguir a poesia. Mas a edição de 2005 terá como novidade a criação de um novo galardão, destinado aos jovens escritores (dos 15 aos 18 anos), e que premiará alternadamente o conto e a poesia.

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