Immanuel Kant: o filósofo dos Direitos Humanos

Foto
Immanuel Kant DR

Immanuel Kant (1724-1804), nascido no seio de uma família humilde, foi enterrado como um monarca. No dia do seu funeral, a vida em Königsberg, na Prússia oriental, actual Kalininegrado, parou. O caixão foi acompanhado por milhares de pessoas e ecoaram os sinos de todas as igrejas da cidade.

Hoje, decorridos 200 anos sobre a morte do grande filósofo dos direitos humanos, da igualdade perante a lei, da cidadania mundial, da paz universal e acima de tudo do "Sapere Aude", a emancipação da razão, a Alemanha assinala a data com uma série de colóquios universitários, com a exibição na televisão pública do filme "Kant Reloaded" e com uma visita do ministro dos Negócios Estrangeiros, Joschka Fischer, a Kalininegrado. A Universidade de Bona disponibilizou na Internet, em acesso gratuito, o maior banco de dados mundial sobre o filósofo assim como as suas obras completas e cartas pessoais (www.ikp.uni-bonn.de/kant).

Rir é bom para a digestão

Mesmo a tempo do bicentenário surgiram numerosas publicações dedicadas ao autor da "Crítica da Razão Pura" (1781). Três delas, publicadas em Novembro de 2003, são biografias - "Kant" de Manfred Kuehn, "Immanuel Kant" de Steffan Dietzsch e "Kants Welt" de Manfred Geier - que questionam o retrato estereotipado de Kant traçado por Henrich Heine e que se inscreveu nos manuais de filosofia: um homem que obedecia às virtudes prussianas, cuja vida era absolutamente disciplinada, modesta e puritana. "Viveu uma vida de solteirão, mecanicamente ordenada, quase abstracta", escreveu Heine.

Um pensador genial com um quotidiano monótono? As novas obras biográficas mostram um outro filósofo que jogava com gosto às cartas, que apreciava uma boa refeição ou um espectáculo de teatro, que gostava de anedotas - claro que por motivo racional: o riso estimula a digestão - que se interessava pela política mundial. Naturalmente que não foram apenas os aspectos privados de Kant que mereceram a atenção dos autores (todos reconhecidos especialistas no obra do filósofo da Aufklaerung), mas a sua vida intelectual, as suas ideias e como estas foram influenciadas pelo clima da época.

Filósofo da Revolução Francesa

Kant viveu numa época conturbada, marcada por grandes mutações sociais, políticas e religiosas. A "orientação teológica" da Filosofia é posta em causa - Deus vai sendo progressivamente substituído pela ciência, tendência contra a qual Kant vigorosamente lutará - e a soberania intelectual do homem passa, com o Iluminismo, a repousar na ciência, que adquiriu, depois de Isaac Newton, um estatuto de dignidade e credibilidade recusado a outras formas de pensamento.

Na perspectiva política, o fenómeno mais relevante é a configuração do Estado moderno e de novas formas de organização do poder. Os escritos políticos de Kant datam já da maturidade e são fortemente influenciados por dois acontecimentos históricos da altura: a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Americana (1776).

Não é em vão que foi classificado por Heine, Marx e Hengels como o filósofo da Revolução Francesa. Há de facto alguma analogia entre ambas as revoluções e o pensamento kantiano: a emancipação do homem face à autoridade e a afirmação da liberdade. De tal forma que o eco de Kant é tão importante na França como na Alemanha.

Para o investigador francês Etienne François, "se Kant é considerado na França como uma referência incontornável, na Alemanha é visto como uma etapa da pensamento filosófico" uma vez que não existem entre os filósofos que verdadeiramente são significativos nenhum que se tenha subtraído a um posicionamento relativamente a Kant.

A filiação de Kant até Juergen Habermas "é assumida e reivindicada". O próprio artigo primeiro da Lei Fundamental alemã - "A dignidade do homem é intocável" - é, ainda de acordo com Etienne François, claramente de inspiração kantiana. O pensamento kantiano surge como um elemento fundador no processo de construção europeia que coloca a dignidade humana, a reflexão e a ética no cerne dos seus objectivos. O projecto de Tratado Constitucional europeu reivindica também no seu preâmbulo o legado do Iluminismo.

Fischer em Kalininegrado

O bicentenário é ocasião para o chefe da diplomacia germânica inaugurar um consulado alemão em Kalininegrado, um enclave russo entre a Lituânia e a Polónia, onde o filósofo do Aufklaerung nasceu, ensinou e morreu. A ex-Königsberg, no mar Báltico, foi a capital dos reis da Prússia, tendo sido conquistada pelo Exército Vermelho durante a II Guerra mundial, e rebaptizada, em 1946, como Kalininegrado, em homenagem ao dirigente soviético Mikhail Kalinine. Nesta cidade não se encontra hoje nem a casa natal do filósofo nem aquela onde ele morreu, mas existe um museu Kant, assim como uma estátua do pensador em frente à Universidade - oferecida pela condessa alemã e grande dama do jornalismo Marion von Doenhoff.

O seu túmulo situa-se numa das extremidades da catedral, parcialmente arrasada pelos bombardeamentos de 1944-45, e nele está inscrito: "Duas coisas preenchem o espírito de uma admiração e de uma veneração crescentes e renovadas, à medida que a reflexão nelas incide: o céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim."

Sugerir correcção
Comentar