Uma curta viagem sem sobreviventes

Eram 04h44 em Sharm-el-Sheikh, quando o voo FSH 604, que acabara de descolar, desapareceu dos radares da torre de controlo do aeroporto desta estância balnear egípcia do Mar Vermelho, sem lançar nenhum sinal de socorro. O Boeing 737 da companhia de "charter" egípcia Flash Airlines despenhou-se no mar, a uns 12 quilómetros da costa do Egipto, com 148 pessoas a bordo. Não há sobreviventes. Segundo um balanço ainda provisório, ontem à noite, tinham embarcado 133 turistas franceses, uma turista japonesa e outra marroquina, e 13 tripulantes. As buscas prosseguiam activamente, coordenadas por aviões e helicópteros do exército egípcio, para encontrarem as caixas negras do aparelho, que registam as conversas com a torre de controlo e os parâmetros do voo. Mas até ao anoitecer, só aparecerem pedaços de corpos mutilados, e poucos destroços do avião. Uma informação, não confirmada, aventava que guarda-costas egípcios teriam recuperado alguns destroços importantes, que poderiam ser as portas do avião. As equipas de salvamento encontraram sobretudo malas de viagem, objectos pessoais, e muitos brinquedos a boiar no mar. A carlinga do avião teria sido localizada numa zona profunda, percorrida por correntes marítimas contrárias muito fortes e infestada de tubarões.O avião, fretado por três operadores turísticos franceses, rumava ao Cairo, onde devia efectuar uma escala técnica antes de prosseguir voo para o aeroporto de Roissy, perto de Paris. Entre as vítimas há inúmeras crianças, e um grupo de sete pessoas que era aguardado em Roissy pela avó, a única pessoa hoje viva desta família.A tese do acidente é privilegiada tanto pelas autoridades de Paris e do Cairo, e a pista de um atentado terrorista foi afastada desde o início pelo responsáveis egípcios. O drama ocorreu, no entanto, num pesado clima de suspeitas internacionais de atentados terroristas em preparação envolvendo aviões de passageiros. Mas o ministro da Aviação Civil do Egipto, Ahmed Mohamed Chafik Zaki, confirmou numa intervenção na televisão nacional que "a causa do acidente é inteiramente técnica". O Cairo garante ainda que não houve explosão a bordo. Não era conhecida, porém, ontem à noite, a causa da avaria invocada. Em Paris, o secretário de Estado francês para os Transportes, Dominique Boussereau, afirmou que o piloto tinha avisado a torre de controlo de que encontrava dificuldades técnicas, e que teria tentado regressar ao aeroporto de Sharm-el-Sheikh, despenhando-se então durante a manobra. A catástrofe só foi anunciada pelas autoridades egípcias quatro horas depois, quase em cima da hora de chegada programada do voo FSH 604 a Roissy, em França. Uma quinzena de parentes e amigos que esperavam os passageiros no terminal T3 de Roissy, foram então prevenidos pelas autoridades do aeroporto e conduzidos para um hotel próximo, ao cuidado de uma equipa de psicólogos. O Governo francês fretou um avião para levar hoje a Sharm-el-Sheikh os parentes que desejarem recolher-se na capela ardente aberta num hotel da cidade. Os passageiros serão acompanhados pelo secretário de Estado para os Negócios Estrangeiros, Renaud Muselier. Deslocando-se ao aeroporto para consolar as famílias das vítimas, o primeiro-ministro francês, Jean-Pierre Raffarin, declarou que "toda a nação está de luto". O Presidente Jacques Chirac manifestou a sua "profunda emoção" e fez um ponto da situação completo com o seu homólogo egípcio, Hosni Mubarak, que se encontra precisamente em Sharm-el-Sheikh, a passar férias. Um outro convidado VIP está também de férias em Sharm-el-Sheikh: o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, acompanhado pela mulher e pelos filhos. Blair e Mubarak tinham um encontro informal marcado para ontem.A presença dos dois governantes, assim como a de inúmeros turistas que escolhem o Mar Vermelho para passarem o fim de ano, tinha levado as autoridades a adoptarem um dispositivo de segurança "draconiano", segundo diversos correspondentes da imprensa francesa no Cairo. Pilotos franceses contactados pelas televisões acham, porém, "estranho" não ter havido nenhum apelo de socorro por parte do piloto do Boeing 737 da Flash Airlines. Segundo os controladores aéreos de Sharm-el-Sheikh, em momento algum o piloto pronunciou a palavra "mayday", que indica uma tragédia iminente num avião. O voo FSH 604 tinha partido de Veneza durante a noite com um grupo de turistas italianos, e aterrou no aeroporto de Sharm-el-Sheikh às 3h30. O aparelho descolou uma hora e quinze minutos depois rumo ao Cairo. O tribunal de Bobigny, na região do aeroporto de Roissy, abriu um inquérito "por homícidio voluntário" para determinar as causas do drama. Trata-se de "um procedimento clássico" quando este tipo de situação implica vítimas francesas, frisou o Ministério da Justiça.

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