Ar.Co consegue 174 mil euros em leilão de arte

Numa grande sala do Palácio Galveias, em Lisboa, apinhada de gente até à porta, o Ar.Co conseguiu obter anteontem à noite cerca de 174 mil euros com a venda em leilão de quase todas as obras oferecidas por 83 artistas portugueses contemporâneos, muitos deles consagrados. O objectivo da iniciativa era ajudar esta escola de arte a resolver uma crise económica. A disputarem as peças - muitos preços duplicaram, triplicaram... - estavam instituições como a Caixa Geral de Depósitos (CGD) ou a Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento (FLAD), coleccionadores como o banqueiro Artur Santos Silva ou o neurocirurgião João Lobo Antunes, entre outros que quiseram ficar anónimos ou licitaram por telefone. Uns em pé outros sentados, contavam-se na assistência o ministro da Presidência, Morais Sarmento - que pouco antes confirmara ao Ar.Co a atribuição de um apoio de 50 mil euros -; o director do Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém, Delfim Sardo; o director e a futura sub-directora do Instituto das Artes, Paulo Cunha e Silva e Margarida Veiga; galeristas como José Manuel Brandão ou Manuel de Brito; o comissário, e consultor da Gulbenkian, Nuno Faria, além de críticos de arte, artistas, professores e estudantes do Ar.Co.Coube a um coleccionador particular de Lisboa ficar com a peça que atingiu o valor mais alto no leilão: uma escultura de parede de Rui Chafes de 2002. Já era a obra com preço-base mais elevado (8 mil euros), e foi arrematada por 13 mil, depois de uma disputa veloz, em que também esteve envolvida a Caixa Geral de Depósitos. Num dos maiores despiques da noite, a CGD comprou a segunda obra a atingir o preço mais elevado: uma escultura de Rui Sanches feita de propósito para o leilão. Tinha como preço-base 5 mil euros, subiu aos 11.800 (mais do dobro, portanto).Duas pinturas de Ângelo de Sousa subiram de 4500 (preço-base) para 7 mil e 7200. Um desenho de Pedro Cabrita Reis passou de 1750 euros para 4200 (arrematado por um coleccionador privado, depois de muitos lances). Um guache de José de Guimarães foi de 2750 euros até 4500. Um desenho de Jorge Queiroz mais que triplicou (de 750 euros para 2500). A fotografia de Helena Almeida que era uma das obras com preço-base mais elevado (7500 euros) não subiu muito: foi arrematada por 8200 euros por Andreia Champalimaud. As duas fotografias de Jorge Molder foram compradas pelo preço-base, 2500 euros cada.Jovens artistas ligados ao Ar.Co como Pedro Quintas (900 para 2800 euros), Cristina Lamas (de 600 para 2700 euros), João Miguéis (de 170 para 900 euros) ou ainda Constança Arouca, Jorge Nesbitt, Rui Pataxo, António Poppe viram as suas obras atingirem duas, três, quatro, mesmo cinco vezes (nos casos de preços mais baixos) o valor-base de licitação.Em relação aos artistas mais cotados, a surpresa da noite terá sido a ausência de ofertas para o desenho de Julião Sarmento (2002), que tinha um preço-base de 4500 euros. É que das 122 obras no catálogo, só 11 não encontraram comprador durante o leilão. Dessas 11, duas foram vendidas logo após o encerramento. Por volta da meia-noite, restavam nove peças por vender, incluindo uma de Leonor Antunes e o desenho de Julião Sarmento.Os dois galeristas de Sarmento (Cristina Guerra, em Lisboa, Pedro Oliveira, no Porto) não estiveram no leilão. Contactados ontem pelo PÚBLICO, ambos desdramatizaram o episódio. Cristina Guerra (que está na feira de arte de Miami), confirma que o valor de mercado do desenho seria de 6 mil euros (acima do preço-base de licitação, portanto), mas sublinha que "um leilão não afecta de maneira nenhuma o valor da obra de um artista". Referindo que em galeria se continuam a vender obras de Sarmento muito mais caras, sublinha que "é impossível controlar o mercado". Pedro Oliveira recorda que na recente Feira de Arte de Lisboa vendeu uma obra de Sarmento por 40 mil euros e também rejeita a ideia de que o leilão do Ar.Co possa prejudicar o valor de mercado do artista.No fim do leilão, enquanto a soma das vendas ainda se concluía, o director do Ar.Co, Manuel Castro Caldas - que lançara o desafio do leilão aos artistas - não tinha dúvidas sobre o resultado: "Correu muitíssimo bem. Vai permitir equilibrar a situação e fazer investimento." O "equilíbrio" diz respeito à dívida de "milhares de contos" nas contas de 2002. O investimento deverá aplicar-se a situações de emergência, como a necessidade de digitalização do departamento de fotografia. Com as propinas, o Ar.Co consegue fazer face à quase totalidade das despesas correntes, segundo Castro Caldas. Mas tem estado dependente de apoios privados e públicos para investimento em instalações e equipamento. Desde 2001, os apoios públicos (ministérios da Cultura e Educação) caíram e os apoios privados diminuíram.Quanto a apoios públicos, Castro Caldas tinha ontem duas boas novidades. Além do apoio pontual de 50 mil euros confirmado pelo ministro Morais Sarmento, a Câmara de Lisboa atribuíra à escola um subsídio de 35 mil euros (10 mil para aquisição de equipamento, o restante para despesas de conta corrente).Somando os lucros em leilão com estes subsídios, o Ar.Co captou, pois, 259 mil euros. "O leilão chamou apoios", resume Castro Caldas. "Quer dizer que o Estado esteve atento." Quanto ao futuro, o director do Ar.Co diz que espera "que os próximos dois anos não sejam de crise", e promete prudência: "Vamos ser muito cautelosos."O apoio governamental resulta de um pedido do Ar.Co, na sequência de uma visita de Morais Sarmento à escola, no ano passado, segundo o ministro disse ao PÚBLICO: "Por razões orçamentais houve uma redução dos apoios do Governo. Procurámos desde o ano passado encontrar soluções. Este ano foi possível." Morais Sarmento acrescenta que "este subsídio é atribuído num espírito de colaboração", que passa pela "área da imigração". Ou seja, "o Ar.Co dar apoio na formação de jovens e artistas, principalmente dos PALOP's".Quanto ao retomar de subsídios dos ministérios que apoiavam a escola, Morais Sarmento informa que já falou com os ministros em causa: "Estou a trabalhar nisso."

Sugerir correcção