Téchiné contra Téchiné

Corre-se o risco de não se ver em cada nova estreia de um filme de André Téchiné outra coisa senão uma ocasião para um lamento. E com "Os Fugitivos", de facto, mais uma vez o caso é esse. Está por explicar por que raio, sensivelmente a seguir a "Juncos Silvestres", a obra de Téchiné começou a perder interesse e a cair numa modorra que, na melhor das hipóteses, parece reiteração, e na pior ("Os Fugitivos") assusta de tão indistinta.

Se o predecente filme do francês ("Longe") tinha a desculpa (vá lá) de ter sofrido uma rodagem acidentada, não há registos de que semelhante atenuante possa ser invocada para "Os Fugitivos". E, de resto, em "Longe" ainda se encontrava um rasto do velho Téchiné, não só pela relação mais ou menos explícita que o filme tecia com outros momentos da sua obra como também pela permanência de uma maneira de olhar e, sobretudo, de respirar. Mesmo com toda a boa vontade de quem admira muito (muitíssimo) dois terços da obra de Téchiné, ou se calhar por causa disso mesmo, é impossível encontrar em "Os Fugitivos" um sinal de que por trás do filme se encontra o cineasta de "Hotel des Amériques", "O Local do Crime" ou "A MInha Estação Preferida" (os exemplos podiam ser outros).

Já por altura de "Longe" aventámos a hipótese de Téchiné se ressentir da falta de Pascal Bonitzer, que trabalhou com ele os argumentos durante muito tempo, até "A Minha Estação Preferida". Mera especulação, mas parece difícil desmentir que a saída de cena de Bonitzer coincidiu com o declínio ("Juncos Silvestres", já sem ele, baralha as pistas) do cinema de Téchiné, na perda daquele rigor geométrico da construção narrativa e da gestão emocional (aquele fundo melodramático que se fingia "arrefecido" e cerebral para subitamente se dar a ver em incandescência) que era uma característica dos seus filmes. Perdido isso, fica pouco - e como "Os Fugitivos" parece provar da pior maneira, encarrila na tradição "burguesa" do cinema francês, entre o naturalismo e a grandiloquência, sem ser capaz de lhe imprimir uma marca característica.

"Os Fugitivos" é um caso-limite, põe mesmo a dúvida se não será assinado por um intrujão a usar o nome de um cineasta conhecido. Passa-se durante os dias da derrota francesa em 1940 (mais um, depois de "Boa Viagem" de Rappeneau), quando as estradas estão pejadas de refugiados em fuga de Paris e das grandes cidades. O filme segue uma família (Emmanuelle Béart e os dois filhos, mais um adolescente que fortuitamente se junta ao grupo) que para escapar às rajadas com que os caças alemães varrem as colunas de refugiados se esconde num palacete abandonado (os proprietários eram judeus) em plena floresta. Inevitável e previsivelmente, desenrola-se uma história de desagregações e recomposições familiares, pautada pela relação entre Béart e o adolescente, e pelo estatuto deste junto dela e dos filhos. Mas tudo numa banalidade, numa falta de profundidade, numa ausência de mistério que cedo tornam tudo bastante desinteressante - espreme-se e não sobra um plano, nada que salve "Os Fugitivos" de ser o mais indistinto dos filmes.

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