A noite perfeita de Ben Harper

São cerca de 21h30 de sábado quando o Pavilhão Atlântico acorda verdadeiramente com a entrada de Ben Harper e os The Innocent Criminals em palco. Ben Harper ergue os braços numa breve saudação à multidão que não enche por completo o recinto e ataca "Glory & Consequence". A seu lado, num começo que não podia ser mais demolidor, o baixo hipnótico de Juan Nelson enquanto a voz de Harper sobe e desce acompanhando a slide guitar. Estão abertas as hostilidades. O som, a luz, a ambiência são perfeitas. Ainda a audiência não se recompôs, já a banda avança para a politizada "Excuse me mr." Ben Harper, guitarra a tiracolo, percorre o palco junto aos vários músicos. "Lord is a shame, is a shame, shame" canta. Depois, ergue a cabeça e como um lobo, quase uiva: "ohohohohohohoh...." Uma batida muito soul já coloca a plateia a dançar quando Ben Harper explica: "Tonight's this is gonna be our living room, okay?" Vem aí "Brown eyed blues" e a sala abre-se ao som nostálgico da soul e da funk dos anos 60. O baixo de Juan Nelson é funky quanto baste e dialoga com os teclados numa celebração meio Motown meio Stax. O público não se faz rogado e dança.Depois, sentado com uma das várias guitarras que haviam de lhe passar pelas mãos, Harper arranca um solo dilacerante à Jimmi Hendrix para, mais tarde, já com outra guitarra, fazer dela quase um violino e encher os ares de sons estridentes mas maravilhosos.A noite era ainda uma criança e os Innocent Criminals precisavam de dar conta de si. Daí a explosão hard rock/ funk que antecede "Ground on down". O Pavilhão Atlântico enche-se de som e lá atrás David Leach tem tempo, finalmente, para brilhar um pouco na percussão. Faz-se uma pausa, ouvem-se os acordes românticos de "When she believes", Ben Harper canta "Well the good Lord is such a good Lord with such a good mother too", acendem-se os isqueiros, Harper canta "they have blessed me, they have blessed me...". Tudo isto é soul, tudo isto é gospel e a atmosfera na sala é de bênção. Uma atmosfera positiva instala-se no pavilhão quando o cantor usa a voz carregada de soul em falseto e geme "she believes in meeeee". O público está rendido e em êxtase. O norte-americano vai a cada ponto do palco e agradece por largos momentos: "Only in my dreams I would imagine something like this. It's just incredible..." Soam então os primeiros acordes acústicos de "Please me like you want to", Ben Harper e a sua poderosa voz soul que se ergue de cada vez que levanta a cabeça. Um dos melhores momentos da noite estava, porém, para chegar. O pavilhão explode de alegria quando se ouve "babiiieeeee, I can't wait much longer..." É "Sexual Healing", o fantasma de Marvin Gaye pairando sobre o Pavilhão Atlântico. A interacção entre Ben Harper e a audiência é total. Pega num telemóvel de alguém e pergunta: "Hey, who the fuck are you?" O coro, esse, é perfeito: "Heal me, my darling...."Está-se bem no Pavilhão Atlântico, a atmosfera é de celebração e vai continuar assim com a sensual "Woman in you". Segue-se a pop soul irresistível de "Steal my kisses" - "I pulled into Nashville Tennessee..." -, a balada acústica "Diamonds on the inside" e "Amen Omen", com a voz de Ben Harper só, em diálogo com o coro: "Amen, omen, will i see your face again". O espectáculo está prestes a terminar e da melhor maneira com versos, que, mais uma vez, o público reconhece à primeira, os de "Burn one dowm". O cantor espeta o microfone para a assistência que repete: "ohyeahyeah..."O concerto parece ter terminado mas é evidente que ninguém quer ir embora e ainda bem, porque o primeiro "encore" é acústico e simplesmente delicioso. Ben Harper canta "Power of gospel" e o espectáculo mais parece uma missa sulista. Depois, leva o microfone à extremidade direita do palco e canta "Waiting for an angel" e "Walkway". Mais tarde, faz o mesmo do lado esquerdo e canta "Another lonely day" e "I should not walk alone". Termina tudo com o blues acústico "When it's good", um êxtase de "slide" que faz com que o público não desista e peça mais um "encore". A noite já vai longa e termina com reggae, o reggae humanista de "With my own two hands". Não era possível esperar mais. Uma noite para não esquecer tão depressa.

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