Souto Moura diz que Justiça não vai sair beliscada do processo da Casa Pia

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Souto Moura, que se encontra em Macau, disse que a Justiça em Portugal está a atravessar um momento de crise no sentido de julgamento António Cotrim/Lusa

O Procurador-Geral da República, Souto Moura, afirmou hoje em Macau que a magistratura portuguesa não sairá beliscada do processo da Casa Pia, antes "saberá sair tal como entrou, com competência, isenção e independência".

Advogando que o Ministério Público "exerce a magistratura e não é parte" dos casos em que está envolvido, Souto Moura responde também à carta aberta de José Miguel Júdice, em que o bastonário da Ordem dos Advogados classificou o Procurador João Guerra como "advogado" do processo Casa Pia, uma acusação que o Procurador-Geral da República refuta e diz ser um "mal entendido".

Quanto à violação do segredo de Justiça, Souto Moura é peremptório e garante estarem a decorrer "vários" inquéritos-crime para apurar os responsáveis, mas recorda a dificuldade de apurar culpados quando existem obstáculos como os códigos deontológicos, estatuto dos jornalistas e do segredo das fontes.

Instado a comentar as declarações do antigo Bastonário da Ordem dos Advogados, Pires de Lima, que classificou a actuação do Ministério Público (MP) idêntica à da PIDE e da Gestapo e defendeu a diminuição de competências do MP, Souto Moura disse defender uma posição "não antagónica, mas bastante diferente".

Sublinhando que tem com Pires de Lima "alguns laços de amizade", o Procurador discorda do antigo Bastonário dos Advogados e sustenta que em Portugal "há um conjunto de pessoas que vivem ainda com a nostalgia do sistema de relacionamento entre as magistraturas, mas sobretudo de acesso à magistratura judicial, que estava em vigor" quando iniciou a sua profissão.

"Era-se Delegado do Procurador da República e depois tinha de se fazer um concurso para juiz, e quem não fizesse pura e simplesmente saía da magistratura e não podia exercer nenhuma delas", explicou, acrescentando ainda que os "graus superiores do MP eram desempenhados por um juiz em comissão de serviço".

Revelando não ter "nenhuma certeza da bondade" da reposição do sistema antigo, Souto Moura referiu que, se em termos teóricos poderia aceitar-se o regresso ao passado, na prática "estão definitivamente ultrapassadas as condições para que isso seja possível".

No entanto, reconhece que teria um aspecto "altamente vantajoso" que era o facto de criar uma "cultura de entendimento entre MP e judiciatura que só tem vantagens no exercício das funções, depois de separadas de cada um deles".

"Um poder judicial eficaz passa por uma proximidade entre as duas magistraturas" defendeu, ao salientar que as "duas magistraturas não podem nem devem viver, como aqui e ali acontece, de costas voltadas".

Declarando-se um "acérrimo defensor" da proximidade das duas magistraturas, Souto Moura preconiza um "ensaio" do que já existe ao nível do contencioso administrativo e de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, de "permeabilidade restrita e condicionada entre as duas magistraturas na primeira instância".

Souto Moura, que se encontra em Macau a convite do seu homólogo da Região Administrativa Especial, disse que a Justiça em Portugal está a atravessar um momento de "crise no sentido de julgamento", o significado grego da palavra.

"A Justiça em Portugal atravessa um momento que está dominado por um desejo de alteração do seu funcionamento, não só no que diz respeito a possíveis inovações legislativas como também à prática dos tribunais", disse o Procurador-Geral.

Souto Moura referiu que os processos mediáticos provocaram uma redobrada atenção ao modo de funcionar dos tribunais por parte da sociedade e dos operadores judiciários.

Por isso, afirmou, a Justiça "está num momento de crise, mas crise no sentido grego que é julgamento".

Para o Procurador-Geral da República, independentemente do julgamento que está a ser feito à Justiça "há sempre reformas a fazer", sendo por isso natural que estejam em análise alterações a "aspectos do Processo Penal".

"Era um projecto que existia muito antes de estar pendente o chamado processo da Casa Pia", afirmou Souto Moura, afastando o cenário de alterações face a pressões derivadas da mediatização do Processo de Pedofilia.

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