Casa Pia: Procuradoria condena politização da Justiça

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A procuradoria diz que é prematuro deixar de se considerar Pedroso como arguido Pedro Cunha/PÚBLICO

"O estado de direito não passa de uma miragem se e quando o envolvimento de um político com a justiça se transformar na politização da justiça", sustenta a a procuradoria em comunicado.

Num "esclarecimento" enviado à Lusa, o Ministério Público sublinha que o acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, que ontem ordenou a libertação de Paulo Pedroso, visava "avaliar da necessidade ou desnecessidade de uma medida de coacção e não apreciar a culpa ou a inocência" daquele arguido do processo de pedofilia na Casa Pia.

"O acórdão em questão não pode ter tido por propósito absolver o arguido", salienta a procuradoria em comunicado, sublinhando que os indícios não foram avaliados pela Relação com vista à absolvição ou condenação de Paulo Pedroso, "porque isso só pode resultar da prova que vir a ser feita em julgamento, se o for".

O facto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa ter sido tomada por maioria não pode também, no entender da procuradoria, ser "escamoteado". "Dois juízes da Relação acharam que não se justificava outra medida de coacção para além do termo de identidade e residência. Outro juiz votou vencido pronunciando-se pela existência de fortes indícios dos crimes, defendeu a aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação", lembra a nota.

A procuradoria considera, assim, "completamente prematuro e, portanto, despropositado" utilizar o referido acórdão para se deixar de considerar Paulo Pedroso como arguido, "embora continue evidentemente a ser presumido inocente".

PS e procurador-geral com entendimentos diferentes

Estes esclarecimentos vêm reforçar a posição já ontem assumida pelo procurador-geral da República, Souto Moura, que, em reacção à decisão da Relação, afirmou que "não se devem tirar ilações desta decisão que ela não comporta". "O que está aqui em causa é simplesmente a razão de ser de uma medida de coação e, portanto, não são os indícios do cometimento de qualquer crime que estão aqui a ser apreciados"

No entanto, o acórdão da Relação, citado na edição de hoje do PÚBLICO, não se limita a contrariar as razões que motivaram a prisão preventiva de Paulo Pedroso, como contesta os indícios recolhidos pela Polícia Judiciária e Ministério Público contra o arguido. Entre outros aspectos, o acórdão critica a forma como o deputado foi identificado pelas testemunhas e considera que os testemunhos dos menores são frágeis, irrelevantes e inverosímeis.

A notícia indignou vários dirigentes socialistas, entre eles o presidente da Comissão de Ética, Jorge Lacão, o qual afirmou que "ao contrário do que disse o procurador-geral da República, o Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciou apenas sobre os requisitos para a prisão preventiva". Garantindo que a Comissão de Ética teve acesso ao acórdão, Lacão sublinhou que "a Relação concluiu inequivocamente que não há indícios suficientemente fortes" contra o ex-porta-voz socialista.

Estas declarações irritaram os deputados da maioria, que contestam a politização deste assunto, chegando mesmo a afirmar que "se não mudar de conduta, Lacão não tem condições para continuar" à frente daquela comissão. O presidente da Comissão de Ética não reagiu publicamente a este repto, mas o deputado socialista Alberto Martins garantiu que "nem se coloca a hipótese" de Lacão se demitir.

Já esta manhã, os deputados socialistas António Costa e Almeida Santos tinham afirmado, em declarações à Lusa, que "há agora uma contra maré", já que a decisão da Relação "veio fragilizar" qualquer acusação que venha a ser feita contra Paulo Pedroso.