11 Setembro de 1973 no Chile: Allende confiou demais

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O levantamento começou eram seis horas e atingiu o pico ao fim da manhã com o bombardeamento aéreo do palácio de La Moneda DR

Passam hoje trinta anos sobre o golpe militar de Pinochet. Foi no dia 11 de Setembro de 1973, quando militares, apoiados pela grande burguesia e os Estados Unidos, puseram abruptamente termo ao governo da Unidade Popular, de Salvador Allende.

O levantamento começou eram seis horas e atingiu o pico ao fim da manhã com o bombardeamento aéreo do palácio de La Moneda, depois de o Presidente, eleito democraticamente três anos antes, ter recusado entregar o poder e se ter despedido dos chilenos no célebre discurso trasmitido pela rádio Magallanes, que a aviação ainda não tinha neutralizado.

" (...) Trabalhadores da minha pátria: tenho fé no Chile e no seu destino. Outros homens superarão este momento cinzento e amargo, onde a traição pretende impôr-se. Mas saibam todos que muito mais cedo que tarde se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

"Viva o Chile! Viva o povo! Vivam os trabalhadores! Estas são as minhas últimas palavras e tenho a certeza de que o meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a cobardia e a traição."

Ao princípio da tarde, os militares entraram no palácio, sem encontrar praticamente resistência, conta a jornalista chilena Patrícia Verdugo, que reconstituiu os acontecimentos ("Interferencia Secreta", Editorial Sudamerica, Santiago, 1998). "General, general, aqui, aqui!" - grita um soldado para o chefe da invasão, Javier Palácios, de dentro de uma sala. O oficial entra. Lá dentro, um homem está de pé e com as mãos no ar. É um dos médicos do Presidente, Patricio Guijón. Ao lado dele, num cadeirão vermelho, está um corpo, com o crâneo despedaçado por uma bala. A espingarda que a disparou ainda está entre as pernas do cadáver. É Allende. Tinha preferido o suicídio à rendição.

Três décadas depois, a experiência da Unidade Popular (UP, integrada por socialistas, comunistas, radicais e cristãos de esquerda), a construção de uma sociedade socialista dentro de um regime democrático, continua objecto de polémica. Ainda há dias o actual Presidente chileno, Ricardo Lagos, considerou num encontro em La Moneda com jornalistas estrangeiros que o líder da UP cometeu um grande erro ao tentar impor ao país um modelo socialista sem ter o apoio suficiente para o fazer.

"Tentou introduzir mudanças profundas e necessitava de um apoio mais amplo do que tinha. Era impossível governar tentando fazer essas mudanças", disse o mandatário chileno, chamando a atenção para as tensões internacionais da altura derivadas da guerra fria entre Washington e Moscovo. Lagos foi um dos teóricos do regime da UP. A tese com que acabou o curso de Direito, no princípio dos anos 60, intitulada "A Concentração do Poder Económico", onde deixava a nu o domínio da economia do país por parte de apenas onze famílias e propunha o controle do Estado sobre os meios de produção, acabou como um documento de referência da revolução tranquila allendista.

Outros, como o sociólogo chileno Tomas Moulián, vêem o período da Unidade Popular à luz da trajectória do homem que a sonhou e pôs em prática. "Salvador Allende visava conquistar espaços para uma política popular no seio de um sistema democrático representativo no qual políticas de aliança à esquerda fossem realizáveis. Mas nunca abandonou a crítica do capitalismo e o desejo do socialismo. É essa a grande diferença entra as suas posições e as do actual Partido Socialista chileno, membro da Concertação Democrática, no poder desde o fim da ditadura. Para Allende, ser realista não significava negar o futuro, contentando-se com uma política dita pragmática" ("Le Monde Diplomatique", Setembro, 2003).

Salvador Allende formou as suas ideias políticas ao período das coligações de esquerda dos anos 1938-47, quando conclui pela necessidade urgente de juntar socialistas e comunistas num mesmo projecto. Em 1952, numa reviravolta que então desconcertou muita gente, abandonou as fileiras socialistas, onde militava, e formou, com os comunistas, a Frente da Pátria, o embrião teórico da conquista do poder por meios democráticos e pacíficos.

Candidato à chefia do Estado em 1952, 1958 e 1964, perde sucessivamente todas as eleições, mantendo-se no entanto inabalável na convicção de que é possível aproximar os dois maiores partidos de esquerda do país e chegar pacificamente ao poder. Consegui-lo-à, no dia 4 de Setembro de 1970, com 36,3 por cento dos votos. Mas resistirá sempre, mesmo durante as maiores crises, a abandonar a sua ética humanista e a transformar-se, como todos os seus antecessores desde 1932, em mais um líder autoritário, o que, segundo vários autores, terá incentivado a oposição e alguns sectores da extrema-esquerda a contestarem a sua política. Foi essa recusa que o ganhou e o perdeu.

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