A realizadora

Underwater Impressions (2002)

Tiefland (1954)

Olympia 1ª Parte – Festival do Povo (1938)

Olympia 2ª Parte – Festival da Beleza (1938)

Tag der Freiheit – Unsere Wehrmacht (1935)

O Triunfo da Vontade (1934)

A Luz Azul (1932)




A actriz

Do Insecto de Veado à Cruz de Gancho (2002)

A Mulher de Hitler (2001)

O Teatro de Filme Colossal - Hercules, Maciste & Cia (2000)

Leni Riefenstahl no Sudão (2000)

A Noite dos Realizadores (1995)

O Poder das Imagens: Leni Riefenstahl (1993)

XXI Jogos Olímpicos (1977)

Tiefland (1954)

Olympia (1938)

S.O.S Iceberg (1933)

A Luz Azul (1932)

Der Weiße Rausch - Neue Wunder des Schneeschuhs (1931)

Tempestade no Monte Branco (1930)

O Inferno Branco de Piz Palü (1929)

Der Große Sprung (1927)

Wege zu Kraft und Schönheit (1926)

A Montanha Sagrada (1926)

Tragédia na Casa Habsburg (1924)

Morreu Leni Riefenstahl

Foto
PUBLICO.PT

A fotógrafa e cineasta alemã Leni Riefenstahl morreu ontem à noite, aos 101 anos de idade, avançam hoje as agências AFP e Reuters, citando a revista alemã "Bunte Magazine". Riefenstahl foi durante anos a cineasta oficial do regime nazi.

"O corpo dela simplesmente parou", disse à "Bunte" Horst Kettner, o seu companheiro. A polémica cineasta faleceu em sua casa, em Poecking, no sul da Baviera.

Helene (Leni) Bertha Amalie Riefenstahl nasceu a 22 de Agosto de 1902, em Berlim Wedding no seio de uma família endinheirada. Aos 16 anos, inicia, em segredo, aulas de expressão corporal e “ballet” clássico. Seria a dança que lhe abriria as portas do mundo do cinema. Estreia-se como actriz, em 1926, no filme “Der Heilige Berg” (“A Montanha Sagrada”), descoberta por Arnold Fanck, que procurava uma bailarina para o papel principal de Diotima. “A Montanha Sagrada” foi um dos muitos filmes “de montanha” que nos anos 20 se realizaram na Alemanha, enaltecendo a força física e a “raça”, um género de nacionalismo muito marcado e alimentado por um misticismo exaltado onde se encontram em germe os princípios que irão balizar o cinema nacional-socialista.

Meu Führer

Em 1931, lança-se na realização com “Das Blaue Licht” (“A Luz Azul”), que teve a colaboração de Béla Balázs como argumentista. Riefenstahl assumia ainda a produção, para além de participar como actriz, surgindo a fazer escalada descalça. Nesse mesmo ano, funda a sua companhia cinematográfica. A cineasta tinha como próximo projecto a realização de “Das Tiefland” (que só se estrearia em 1954), mas é aqui que entra a “encomenda” do Führer para realizar um documentário sobre o Congresso do Partido Nacional-Socialista. Na sua autobiografia, Riefenstahl relata o encontro em que Hitler lhe encomendou “O Triunfo da Vontade”: “Temo, meu Führer, não estar à altura de fazer esse filme.” “E porque não estaria à altura de o fazer?”, interroga Hitler. “O conteúdo é-me totalmente estranho, nem sequer sei distinguir os SA dos SS...”, respondeu Rienfenstahl. “Está bem assim ...”, replicou-lhe o Führer, “desse modo não verá senão o essencial. Não quero um filme monótono sobre o congresso. Quero um documentário artístico.”

Admiração ou aversão?

A observação da cinematografia de Leni Riefenstahl continua cingida ao maniqueísmo: admiração ou aversão. Se, por um lado, se encontra em Riefenstahl um génio depurado como um diamante, por outro é impossível apartar “O Triunfo da Vontade” (1935) e “Olympia — Ídolos do Estádio” (1936) do “Império dos mil anos”. Riefenstahl defendeu-se até ao fim das acusações e alegava que era apenas uma “artista ao serviço da sua arte”. “O Triunfo da Vontade”, o melhor filme de propaganda alguma vez realizado, atinge um esplendor hipnótico nascido sobretudo da montagem, da variação entre as grandes angulares da multidão em êxtase e os gigantescos “close-up” de Hitler, que o transformam numa figura divina. Riefenstahl repetiu, há poucos dias, no canal ARTE, que fez “O Triunfo da Vontade” como fez, porque era incapaz de “fazer coisas mal feitas”.

É possível aceitar a renúncia de responsabilidade da centenária cineasta? A resposta a esta questão passa pelo conhecimento do resto da sua obra, só deste modo se pode tentar perceber até que ponto “O Triunfo da Vontade” tem a ver com um projecto estético pessoal que se identifica com a “doutrina” ou se é só um fenómeno de circunstância, num século que tornou evidente que “uma pessoa pode ler Goethe ou Rilke à noite, tocar Bach e Schubert, e cumprir a rotina do trabalho em Auschwitz pela manhã”, como escreveu o ensaísta George Steiner.

Nunca “desnazificada”

“Tiefland”, o último filme que realizou antes de se dedicar à fotografia, oferece não só o exame feito pela cineasta da sua própria culpabilidade face ao nazismo, mas expressa também uma consciência pré-feminista que coloca sob uma nova perspectiva a sua aceitação do fascismo e da dominância masculina. A estreia alemã de “Tiefland”, em 1954, mereceu pouca atenção do público, mas a crítica aplaudiu a sua qualidade técnica e artística. O presidente do Festival de Cannes, Jean Cocteau, ficou tão impressionada com a obra que solicitou ao Governo alemão que fosse exibida no festival, um pedido que Bona recusou. Durante décadas “Tiefland” foi completamente ignorado nas análises sobre a obra de Riefenstahl, ou atacado como um exemplo do “anacronismo” e “egocentrismo” da realizadora. Até aos anos 90, o único interesse de “Tiefland” parecia ser a acesa controvérsia gerada em 1949 pela revista “Revue”, que acusou Riefenstahl de ter usado ciganos de campos de concentração como figurantes e os ter maltratado durante o filme. Um tribunal de Munique inocentou a cineasta da acusação, mas até hoje a polémica continua. Na passada sexta-feira, Riefenstahl foi ameaçada com um processo por “negação do Holocausto”. Examinando “Tiefland” — como o fez Robert von Dassanowsky na “Camera Obscura” — contra a definição de estética fascista de Susan Sontag (que recusa a Riefenstahl quer a capacidade de mudar de opinião ou de estilo cinematográfico) este filme traduz o desenvolvimento da cineasta. Em “Tiefland” são implodidos os ideais fascistas. Marta, a heroína é uma não ariana, uma cigana, uma mulher forte e independente. Aqui o tirano, o marquês assassinado, vê a sua autoridade e ordem destruídas por uma “outsider” que flirta com o mal sem nunca perder o bem. “Tiefland” é a pedra-de-toque para compreender Riefenstahl.

Outros artistas toleraram ou apoiaram o fascismo europeu e continuaram o seu estrelato no pósguerra: Céline, Roberto Rossellini, Salvador Dalí, G.W. Pabst, Douglas Sirk, Richard Strauss, Herbert von Karajan, Gottfried Benn, Ernst Jünger, Gustaf Gründgens, entre outros. Mesmo Veit Harlan, o realizador do filme anti-semita “Jud Süss”, que trabalhou de perto com o ministro da Propaganda Goebbels e Fritz Hippler, criador do mais infame dos filmes de propaganda nazi “Der ewige Jude”, foi “desnazificado”, em 1951, e empregado como tradutor do Exército norteamericano. A ausência de mulheres nesta listagem é notória.

(Texto de Helena Ferro de Gouveia, in PÚBLICO 22/08/2002, no centésimo aniversário de Riefenstahl)

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