Egoyan, o arménio

Não será uma originalidade dizer que a impressão dominante dos filmes de Atom Egoyan se costuma relacionar com o desenraizamento e com uma sensação de permanente não-pertença, assim como a de alguém que quanto mais olha para o mundo mais o vê como uma coisa estranha.

Não será uma originalidade, mas será verdadeiro. E saber alguns pormenores essenciais da biografia de Egoyan reforça-o, sobretudo saber que se trata de alguém que tem uma origem arménia, nasceu no Cairo e acabou por se fixar e crescer no Canadá. Nesse sentido, são fáceis de perceber (ou pelo menos, de presumir) as razões que levaram Egoyan a "Ararat" - é, com alguma clareza, o filme de alguém em busca das suas raízes e da sua identidade, o filme de alguém que descobre, ou que assume, que o principal traço dessa identidade se prende com as suas mais remotas origens. Costuma-se tratar Egoyan como um "cineasta canadiano"; mas pelo menos neste filme é como cineasta arménio que ele plenamente se define.

"Ararat", nas suas múltiplas camadas, é um filme sobre essa descoberta, vivida na prática como uma reivindicação. De resto, algumas personagens (como a de Arsinée Khanjian) vivem dessa e para essa reivindicação, enquanto outras (o filho, David Alpay) atravessam o processo que vai da descoberta das origens à assunção de que elas são o elemento mais determinante da sua identidade. Nessa perspectiva, "Ararat" é quase um filme "activista", como se cumprisse um dever de reconhecimento e de memória para com a comunidade arménia espalhada pelo mundo - e como tal, um filme fixado num momento fundador, motivo directo da diáspora arménia e sua memória mais sangrenta: o genocídio perpetrado em 1915 pela Turquia. O "activismo", na sua expressão mais literal, revela-se ainda por aquela legenda final que nos vem lembrar que a Turquia nunca reconheceu a sua responsabilidade no massacre dos arménios.

Ora bem, e que faz Egoyan com todo este - pesadíssimo - material? Para lá do aspecto mais caloroso do filme, o facto de ser ele próprio uma espécie de encontro de arménios vindos dos mais diversos sítios (até Charles Aznavour lá está...), é forçoso dizer que Egoyan não se sai lá muito bem. É evidente que o centro do filme, assim como o centro da questão arménia, é o massacre de 1915, e é lá que Egoyan quer tocar. Mas ao mesmo tempo, num gesto que se revela incapaz de não pecar por uma certa grandiloquência mal resolvida quando se calhar pretendia ser apenas solene, quer também evitar a mera reconstituição.

"Ararat" ancora-se assim em torno da rodagem de um filme que reconstitui o massacre - maneira de perspectivar o olhar e interrogar o sentido da própria ideia de reconstituição. Há, no filme, um desejo de complexidade, um desejo de não ser redutor, coisas completamente louváveis. Mas na concretização desse desejo revela-se a mão pesada de Egoyan - é um filme que tem coisas a mais, tem personagens a mais, tem psicologia a mais, e todos aqueles elementos bastante típicos de Egoyan (as circonvuluções temporais, por exemplo) acabam por se esgotar no que parece ser uma enorme redundância.

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