Homeostéticos, os artistas cáuticos dos anos 80, comemoram 20 anos em Tavira

Os vinte anos do Movimento Homeostético foram o pretexto para a organização de uma exposição comemorativa na Casa das Artes de Tavira. "Academia de Vanguarda" é o nome da instalação que promete concursos de ideias, pinturas, conferências, performances, concertos, banquetes, "beach poetry" e "synaptic sex".Para já todas as promessas não passaram disso, promessas, mas os artistas não estão preocupados. Contraditório e provocador como sempre, o grupo anunciou uma série de actividades que não cumprirá. "O mais importante é ter ideias, não é concretizá-las", diz Pedro Portugal, 40 anos, um dos membros do grupo e o primeiro artista português a ter uma exposição de pintura na internet (em 1994).A exposição - no que o grupo considera ser o "Ano Homeostético" - serviu para voltar a juntar Manuel João Vieira, Pedro Proença, Xana, Pedro Portugal, Fernando Brito e Ivo Pereira da Silva, que já fizeram todos 40 anos, antigos colegas da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL) e fundadores do Movimento Homeostético, criado na década de 80 para revolucionar o próprio conceito de arte.O que há então na exposição de Tavira? Apenas algumas pinturas e desenhos recentes de cada um dos artistas, que prometem organizar em Abril de 2004, na Fundação de Serralves, no Porto, uma exposição retrospectiva que reflicta "o verdadeiro espírito do grupo - o de espontaneidade forçada". "Além da exposição [em Serralves], está prevista uma festa de 48 horas com música, teatro, vídeos e mais algumas surpresas", diz Pedro Proença, 41 anos, o mais prolífero autor de manifestos do grupo.Os artistas homeostéticos marcaram a arte portuguesa dos anos 80, com uma arte de comentário e intervenção em que a dimensão irónica era fundamental. "Há 20 anos, as artes plásticas eram um deserto e nós procurámos contrariar atitudes marcadamente portuguesas: uma certa melancolia, um olhar para trás, o contentar-se com a situação existente", diz Proença.Mas não havia "a preocupação de mudar o mundo", diz o pintor e escultor Xana, 44 anos. "A nossa estratégia de intervenção não era num sentido social ou político, mas sim de 'agitar? o meio artístico da época." Um meio que considerava "pouco receptivo" aos movimentos dos jovens artistas e restrito a uma "visão objectiva" da arte."Homeostética", a palavra que não existeO palavra que dá nome ao movimento - "homeostético" - não existe no dicionário da língua portuguesa, mas é uma espécie de junção de "homeostasia" (que significa equilíbrio) com "estética". E é aqui que começa o paradoxo: ao contrário do que o nome sugere, o movimento recorria constantemente a múltiplos mecanismos de desconstrução do discurso artístico e do seu equilíbrio."Na década de 80, houve uma necessidade de afirmação dos jovens artistas motivada pelo panorama galerístico estar a recuperar do 'jejum' pré-25 de Abril e de ainda não existir o Centro de Arte Moderna [da Fundação Calouste Gulbenkian], que só ganha vida em 1983", diz Delfim Sardo, 41 anos, director do centro de exposições do Centro Cultural de Belém, Lisboa. "Mas o carácter cáustico do grupo reflecte-se sobretudo no seu discurso e não tanto nas suas pinturas ou esculturas."Com uma participação crítica no cenário artístico, a maior parte das obras dos homeostéticos "era marcada por um regresso ao figurativo, ao expressionismo. Mas por volta de 1986 começa aquilo que se vem a chamar de inexpressionismo", explica Xana. Em paralelo às exposições, o grupo organizava performances teatrais, projecções de filmes, manifestos, BD's e uma revista, "Filhos de Átila", que "deve ter vendido cerca de 100 números".A colectiva "Continentes" (1986), considerada a melhor planeada do grupo, marca o início do fim do Movimento Homeostético e era a paródia de outra exposição, "Arquipélago", de um grupo de artistas da geração anterior (Pedro Cabrita Reis, José Pedro Croft, Pedro Calapez, Rui Sanches, Rosa Carvalho e Ana Léon). Ao contrário desta, "Continentes" veiculava a ideia "de uma globalização sem submissão ao imperialismo americano", diz Proença.Apesar da opinião consensual quanto à qualidade de "Continentes", a exposição gerou divisões no interior do grupo. "As estratégias individuais começaram a chocar com aquilo que era a estratégia colectiva", diz Xana. "Depois cada um seguiu o seu caminho."TAVIRA Casa das Artes de Tavira. R. João Vaz Corte Real, 96. Tel.:281325997. Até 22 de Agosto. Todos os dias, das 21h às 00h30. Entrada livre.

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