Divisões étnicas consolidam-se na Bósnia-Herzegovina

A Força de Estabilização da NATO na Bósnia-Herzegovina (Sfor) anunciou esta semana que oficiais muçulmanos, sérvios e croatas bósnios participaram em conjunto num programa militar: a primeira iniciativa do género desde o final da guerra civil (1992-1995). Tratou-se de um curso de formação que reuniu cerca de 165 oficiais em Mostar (Sul), consagrado ao ensino de "padrões de conduta" e ao "profissionalismo dos militares", segundo referiram os organizadores. As estruturas militares da Bósnia, à semelhança das políticas que também funcionam de forma autónoma, estão divididas entre a Federação croato-muçulmana (51 por cento do território) e a Republika Srpska (RS, a entidade sérvia, 49 por cento), a herança da Bósnia do pós-guerra delineada pelos acordos de Dayton de Novembro de 1995. Em paralelo, foi também anunciada a retirada dos últimos soldados russos dos Balcãs, apesar de a Sfor ainda manter cerca de 15 mil militares no terreno. No vizinho Kosovo, a outra importante força multinacional da NATO na região (Kfor) integra 23 mil soldados. Outro sinal que sugere algum desanuviamento entre as principais "comunidades étnicas" da Bósnia ocorreu em Banja Luka, capital da RS. No dia 19 de Julho foi inaugurada nesta cidade do Noroeste da república a primeira mesquita desde o final da guerra civil (1992-95), e ao contrário do que sucedeu em ocasiões prévias, não se registaram incidentes. Uma cerimónia que, curiosamente, quase coincidiu com a inauguração da mesquita de Granada, na Andalusia, também a primeira erguida desde a "reconquista" da cidade pelas forças católicas de Fernando e Isabel, em 1492. E nas recentes celebrações do 8º aniversário do massacre de Srebrenica, em 11 de Julho, os sérvios bósnios fizeram-se representar pela primeira vez, através do primeiro-ministro da RS, Dragan Mikerevic. Entre seis a oito mil rapazes e homens muçulmanos em idade de combater foram mortos no decurso do assalto militar sérvio bósnio a este enclave do Leste da Bósnia, iniciado em 11 de Julho de 1995, e entretanto eleito "zona de segurança" da ONU. Todos estes pequenos gestos e iniciativas eram impossíveis de concretizar há dois ou três anos. No entanto, constituem apenas passos muito tímidos num país com instituições centrais frágeis, e dominado pela lógica dos nacionalismos. Actualmente, na Bósnia, continuam na prática a existir três territórios "etnicamente puros", dominados por muçulmanos (bosníacos), sérvios e croatas, nos quais as restantes "etnias minoritárias", como por exemplo a população "rom" (ciganos) que compõe este complexo mosaico, permanecem sem quaisquer direitos. "Na Bósnia, continuamos a viver como sérvios, croatas ou bosníacos mas não como homens ou cidadãos que pertençam a um mesmo país", referiu num recente debate promovido pela revista de Belgrado "Danas" o chefe do Departamento de Filosofia da universidade de Banja Luka, Miograd Zivanovic. Na Bósnia, e para além de continuarem a predominar os principais partidos nacionalistas de sérvios, muçulmanos e croatas que estiveram directamente envolvidos numa violenta guerra civil que terá provocado cerca de 200 mil mortos e mais de um milhão de refugiados e deslocados, o sistema de ensino também continua a alimentar o sentimento do ódio. "Os programas de ensino, deformados, produzem gerações totalmente deficientes do ponto de vista humano. Não é apenas um sentimento de ameaça física ou de intolerância face ao outro, mas o facto de o ódio se instalar na alma das pessoas", referiu ainda Zivanovic. A administração internacional deste semi-protectorado, dirigida pelo britânico Paddy Ashdown, tem sido incapaz de contrariar esta lógica "etno-nacionalista" para impor, como ambicionava, um modelo económico capitalista ocidental. A presidência colegial tripartida, que integra um representante das três principais "etnias" - uma vez mais todos os restantes "grupos étnicos minoritários" que habitam na região foram excluídos da partilha do poder - tem-se revelado uma estrutura muito frágil, à semelhança do Governo e Parlamento centrais, que funcionam em Sarajevo. Os escândalos de corrupção, o marasmo económico, o baixo nível de vida da população, a elevada taxa de desemprego também continuam a caracterizar o quotidiano da república. Enquanto Estado, a Bósnia não funciona. Todos estes fenómenos provocam uma crescente frustração, e resignação, entre as novas gerações de jovens locais. Muitos deles apenas pensam numa oportunidade para sair do país. A Bósnia de Dayton pode tornar-se no "buraco negro" desta ainda marginalizada região do Sudeste da Europa.

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