Morte de Samora Machel: general do "apartheid" baralha os dados

A investigação das circunstâncias que levaram a morte do antigo presidente moçambicano parece ter ficado mais baralhada com as recentes declarações do antigo chefe da Inteligência Militar sul-africana, o general Tienie Groenewald, segundo as quais Machel foi vítima de acidente. Groeneawald acaba de dar uma conferência de imprensa em Maputo, a qual serviu para ele desmentir que tenha sido o autor das alegações que implicavam indirectamente o Presidente Joaquim Chissano na morte do seu antecessor. Essas alegações vieram a lume em Abril num jornal sul-africano, "The Sowetan". Este jornal atribuiu a Groenewald a alegação de que Chissano e outros altos dirigentes da Frelimo tomaram "conhecimento prévio" da operação que levou a queda do Tupolev onde Machel seguia em Outubro de 1996.De entre outras afirmações atribuídas ao general pelo "The Sowetan", em Abril, constam a alegação de que o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros sul-africano, Pik Botha, também teve conhecimento da conspiração. O general terá dito que tinha duas fontes impecáveis sobre o assunto em Maputo e que não era possível que as autoridades moçambicanas não tivessem conhecimento da alegada conspiração.Groenewald foi a Maputo dizer que nunca proferiu tais declarações.[Entretanto, da África do Sul, o director do jornal "The Sowetan",Thabo Leshilo, já fez saber que possui uma gravação da entrevista com o general, suspeitando que Groenewald tenha feito agora um recuo por pressões de Pretória e Maputo].Vários analistas que acompanham o percurso deste caso consideram que a conferência de imprensa dada na última quarta-feira por Groenewald, trouxe mais dúvidas que respostas. Principalmente pelo facto do general ter recusado a teoria de conspiração que tem vindo a alimentar as investigações, judiciais e jornalísticas, na África do Sul.Com efeito, desde que Samora Machel morreu, dirigentes do antigo regime do apartheid rejeitaram liminarmente as acusações da Frelimo responsabilizando Pretória pelo acidente. Ou seja, o governo moçambicano considerou sempre que a morte de Machel foi um acto criminoso do apartheid mas, apesar desta convicção, nunca chegou a pressionar as autoridades sul-africanas para que as investigações fossem até as últimas consequências, nem tomou medidas para que houvesse uma investigação localmente dirigida.O silêncio em torno das investigações foi rompido em 1998 por iniciativa da viúva do antigo presidente, Graça Machel, actual esposa de Nelson Mandela, quando o caso chegou à Comissão da Verdade e Reconciliação da África de Sul, a qual abordou o envolvimento de dois generais moçambicanos nos preparativos do "assassinato" de Machel. Graça partilhou da convicção instalada em muitos círculos de que a morte de Samora Machel resultou, não de acidente (como alegou o regime do apartheid), não de crime perpetrado isoladamente por aquele regime (como sempre defendeu a Frelimo), mas de uma conspiração envolvendo gente da África do Sul, Moçambique e Malawi. "Alguém facilitou o crime em Moçambique", disse Graça Machel, na altura, enfatizando que as investigações sempre encontraram obstáculos no seu país: "Em Moçambique não há uma abordagem de reconciliação que inclua revisitarmos o nosso passado".Esta teoria de que Machel foi assassinado tem conduzindo as investigações na África do Sul. E em Abril, quando o "Sowetan" trouxe as revelações de Groenewald, ela pareceu ganhar mas fôlego.Recorde-se que o gabinete presidencial de Chissano desmentiu pontualmente as alegações atribuídas ao general. Mas, curiosamente, o Governo moçambicano nunca desmentiu claramente as alegações de Graça Machel.Na última quarta-feira, o general sul africano veio baralhar as cartas. Sobretudo porque, de acordo com observadores em Maputo, ele conseguiu transmitir, nas barbas do Governo moçambicano, a ideia de que a morte de Machel não foi um crime do apartheid, como Maputo sempre considerou.A generalidade da imprensa moçambicana acolheu as suas declarações com muita estranheza, tendo-se realçado alguns factos curiosos: Groenewald deslocou-se a Moçambique na qualidade de investidor nos sectores de turismo e madeiras.Mas o seu passado está cheio de sangue dado que tem sido apontado como o principalresponsável pelo chamado massacre de Kissanga, Angola, que em 1978 tirou a vida a mais de 500 refugiados namibianos. Nessa altura, ele era chefe dos serviços secretos da Força Aérea sul-africana e, nesse sentido, responsável pelas fotografias aéreas que ajudaram o massacre.Quando o regime do apartheid caiu nos início da década passada, Groenewald, um elemento conotado com a extrema-direita sul-africana, foi um dos defensores da instalação de uma república separatista bóer de expressão afrikanner, mas isso nunca chegou a acontecer.

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