Tráfico de droga sustenta programa nuclear da Coreia do Norte

Os Estados Unidos estão a estudar novas formas para acabar com o programa nuclear da Coreia do Norte. Uma delas é liquidar os negócios que lhe têm permitido desenvolver o seu poderoso arsenal de destruição maciça, ao mesmo tempo que a população passa fome: o tráfico de mísseis, droga e dinheiro falsificado. A mudança de estratégia, consequente da falta de resultados a nível diplomático, foi revelada na passada quinta-feira por alguns responsáveis em Washington.No princípio da semana, a conselheira do Presidente George W. Bush para a Segurança Nacional, Condoleezza Rice, tinha já afirmado que a Administração "está à procura de formas para lidar com os tráficos ilegais de Pyongyang de droga, notas falsas e mísseis". Há poucos dias, um outro responsável, que quis manter o anonimato, foi mais longe, e garantiu que existe realmente uma nova abordagem política: "Tomámos uma decisão e vamos realizá-la", disse à Reuters. "Vamos fazê-lo dentro do Conselho de Segurança". Outro membro da Administração confirmou: "Estamos claramente a inclinarmo-nos nessa direcção". Segundo a mesma agência, já se chama a esta estratégia "plano de contra-proliferação".Segundo vários analistas, o tráfico de droga rende anualmente à Coreia do Norte 100 milhões de dólares. O jornal japonês "Yomiuri" , citando um responsável americano com base na Coreia do Sul, referia recentemente um número ainda maior: 500 milhões de dólares só no ano passado (as vendas de mísseis ao Médio Oriente resultaram, de acordo com o mesmo jornal, em 580 milhões, e as notas falsas entre 15 e 20 milhões). Há muito que o país ficou sem produtos legais de exportação. E os analistas não têm dúvidas de que o negócio é controlado pelo regime. "Tendo em conta o controlo extremamente apertado que o Governo exerce em tudo, podemos estar seguros de que o tráfico de droga é uma actividade do Governo e controlado a um nível relativamente elevado pelo Governo", disse ao PÚBLICO por e-mail o embaixador Michael Young, professor de Direito na George Washington University e especialista em questões coreanas. "É altamente provável que o dinheiro do tráfico reforce o regime política e economicamente. Ou seja, sem dúvida que usa uma gigantesca percentagem destes rendimentos para comprar ou construir armamento".Dificilmente a produção de ópio, por exemplo, passaria despercebida aos olhos do regime. O tráfico de narcóticos começou nos anos 70, e cresceu acentuadamente em meados dos anos 90, à medida que a crise económica ia deixando o país num estado de catástrofe. A produção de opiáceos atingiu o pico em 1994, mas entrou em declínio nos anos seguintes devido à seca e às cheias. Mesmo assim, os analistas consideram que a Coreia é o terceiro produtor mundial de ópio, depois do Afeganistão e a Birmânia.Apesar de o tráfico ser oficialmente proibido, a Coreia do Norte é possivelmente um exemplo único de um "narco-Estado", que utiliza os mecanismos do partido e do Governo para dirigir a produção e a exportação de drogas.O tráfico norte-coreano de narcóticos, que incluem estimulantes do grupo das anfetaminas, envolve redes transnacionais: as tríades chinesas (que operam sobretudo em Hong-Kong, Macau e Taiwan, mas também na China continental, Japão, Sudeste Asiático e até Estados Unidos), a Yakuza japonesa (que actua no Japão, Coreia do Sul, Havai e EUA) e minorias chinesas no Vietname, Tailândia e Birmânia. Segundo Marcus Noland, do Institute for International Economics, de Washington, "o Japão é, muito provavelmente, o maior importador", afirmou ao PÚBLICO. "É ali onde as maiores capturas ocorrem. Mas nos últimos anos, têm também havido detenções na Austrália, Japão, Taiwan, China e Rússia. Os norte-coreanos têm estado ligados a tráfico em todo o mundo, incluindo locais como a Colômbia e o México".No princípio do mês, o Governo coreano veio desmentir as alegações de que o regime estaria envolvido num carregamento de 50 quilos de heroína apreendido pelas autoridades australianas, afirmando que isso fazia parte de uma campanha americana para o desacreditar. Mas um responsável do Partido dos Trabalhadores da Coreia (partido único) ia a bordo de um navio estatal que tentava fazer entrar a heroína (no valor de 50 milhões de dólares) na Austrália. As autoridades de Tóquio fazem frequentemente as mesmas acusações. Em Março, guardas costeiros japoneses encontraram carregamentos de droga em barcos de pesca provenientes da Coreia. De acordo com a Associação de Estudos Geopolíticos das Drogas, uma organização não-governamental francesa, os narcóticos que se destinam ao mercado japonês - que consome menos heroína e cocaína e mais anfetaminas do que outros mercados - são transportadas por mar no Sul do Japão para ilhéus entre a ilha de Kyushu e o arquipélago de Okinawa, onde estão mobilizados corpos de fuzileiros americanos - que, segundo a mesma associação, são uma parte importante dos consumidores.Algumas informações dos serviços secretos japoneses apontam para que este negócio lucrativo esteja nas mãos de Kim Jong-nam, filho do líder coreano, Kim Jong-il, lê-se ainda no relatório da Associação de Estudos Geopolíticos das Drogas. Kim Jong-nam foi detido em Maio de 2001 quando tentava entrar no Japão secretamente, vindo de Singapura (que é actualmente o centro do tráfico de heroína de algumas tríades), e com um passaporte falso, com uma identidade chinesa.Kim Jong-nam fazia-se acompanhar de uma criança de cinco anos, dizendo que ia para a Disneylândia perto de Tóquio. Mas as autoridades concluíram que a sua deslocação tinha um objectivo diferente: juntar agentes norte-coreanos que vivem no Japão, ou mesmo líderes da Yakuza, cujo principal líder é casado com uma mulher norte-coreana. O filho do ditador -considerado como o potencial "herdeiro" do regime e responsável pelo Departamento de Segurança do Estado - foi discretamente colocado num voo para Pequim e o caso ficou diplomaticamente encerrado. "A visão generalizada é a de que a comunidade internacional tem de acabar com isto", disse na sexta-feira o ministro australiano dos Negócios Estrangeiros, Alexander Downer. "A questão é como fazê-lo".

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