Empresário dos Canta Bahia acusado de escravizar banda brasileira

O empresário da banda brasileira Canta Bahia, autora do sucesso "Morango do Nordeste", triplo disco de platina, é acusado pelo ex-vocalista Luciano Nunes de ter escravizado os seis jovens elementos do grupo. O músico intentou um processo no Tribunal de Trabalho das Caldas. Pretende obter uma indemnização por danos morais e patrimoniais, alegando que foi dispensado da banda por não ter cedido ao tipo de vida que era obrigado a ter. De acordo com o articulado do processo jurídico, Mário Jorge Maurício proibia os músicos, com idades entre os 18 e os 23 anos, de se relacionarem com pessoas que não estivesse ligadas ao seu próprio universo. Terá, designadamente, pressionado o vocalista para que este terminasse a relação com a sua namorada, com quem viria a casar. "Têm que ter atenção as essas mulherzinhas que só se querem aproveitar de vocês", terá dito a Luciano Nunes. Os seis elementos da banda teriam mesmo de lhe pedir autorização para sair da casa onde residem, em Serra D'El Rey, Peniche. "Muitas vezes ele arranjava uma desculpa para não sairmos de casa", refere o ex-vocalista. "Devia ter medo que alguém nos abrisse os olhos". O músico conta que a alimentação que lhes fornecida era à base de feijão e arroz, porque a carne e o peixe comprados quinzenalmente pelo empresário nunca chegavam. Além disso, garante que no Inverno passou frio, porque não tinha roupa adequada à época nem dinheiro para a comprar, e a casa onde residia era fria e húmida. O dinheiro para pequenas despesas era dado aos jovens a conta-gotas: "Se queria beber um café tinha que lhe pedir dinheiro", conta Luciano Nunes, acusando o empresário de nunca lhe ter pago nada dos 600 reais mensais (cerca de 300 euros) acordados no contrato inicial. Como o vocalista se mostrasse insatisfeito, o empresário ter-lhe-á feito um ultimato: ou cumpria as regras ou teria que voltar ao Brasil para ter aulas de canto. O jovem decidiu abandonar a casa e a banda em 2001. Na sessão do julgamento realizada segunda-feira passada, o actual vocalista dos Canta Bahia, Ochirlei Macedo e Silva, "Guigui", confirmou a necessidade de autorização para saírem de casa. "Temos que ter cuidado com a imagem e não podemos correr riscos", referiu. Mesmo depois de a juiza ter comparado aquele tipo de vida ao das crianças, o músico respondeu: "Sinto-me bem assim e acho que tudo está certo". E vincou o perigo de sair de casa por causa dos acidentes de automóvel. "Guigui" confirmou ainda que o dinheiro dos seis jovens era gerido pelo empresário. "Não vejo qualquer problema nisso, quando preciso comprar alguma coisa peço-lhe e ele dá-me. No fim do ano até nos deu prendas como nunca tinha recebido antes", declarou.Os elementos dos Canta Bahia vieram do Brasil no final de 2000, com o contrato já assinado com Mário Jorge Maurício. Segundo Ochirlei Macedo e Silva, a banda mora actualmente numa casa com melhores condições e, depois de terem atingido o êxito, os seus membros ganham três vezes mais.Mário Jorge Maurício não quis contar ao PÚBLICO a sua versão dos factos. "O indivíduo é um charlatão", disse apenas, referindo-se a Luciano Nunes. No contrato celebrado com Mário Jorge Maurício, o vocalista Luciano Nunes comprometia-se "a prestar ao contratante, com todo o zelo, os serviços da sua profissão relativos a música, canto e animação" e a "não usar qualquer tipo de drogas nem ingerir bebidas alcoólicas durante os 'shows'". O músico teria que interpretar um mínimo de 12 canções por ano e ensaiar três horas por dia durante cinco dias por semana, excepto nos dias de espectáculo. Ficaria com direito a um dia de folga por semana, escolhido pelo empresário. O músico ficou, tal como os restantes membros da banda, obrigado a manter a casa limpa, confeccionar as suas refeições e tratar as roupas. Não podia fumar na casa nem ausentar-se dela sem autorização do contratante - que estava obrigado a pagar as despesas inerentes à sua alimentação, transportes e estadias. Luciano recebia na altura o equivalente a 300 euros mensais de salário. O contrato estabelecia que, se resolvesse rescindir o seu contrato, teria que pagar 80 mil dólares ao empresário - além de poder ser responsabilizado pelas consequências de tal decisão.

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