Indústria têxtil perdeu 42 mil postos de trabalho nos últimos quatro anos

Se é certo que, de ano para ano, a indústria transformadora tem vindo a perder trabalhadores, no sector têxtil e vestuário essa perda é ainda mais visível e não faltam processos recentes - Scotwool, por exemplo - a confirmá-lo. De acordo com dados recolhidos pelo PÚBLICO junto do Centro de Estudos Têxteis Aplicados (Cenestap), entre 1999 e 2002 a indústria têxtil e vestuário (ITV) perdeu, no total, 42 mil postos de trabalho, empregando agora 218.492 trabalhadores. A quebra na força de trabalho é de 16 por cento. Os dados referentes a 2002, e ainda preliminares (como os de 2001), expressam bem essa tendência, com o número de trabalhadores no sector a cair 5,1 por cento quando, em igual período, a indústria transformadora registou um decréscimo de 3,7 por cento. Isto num ano claramente mau para a ITV portuguesa, que viu as suas exportações recuarem 3,7 por cento para os 4.885 milhões de euros, a produção cair 4,9 por cento e as importações decrescerem três por cento, para os 3.209 milhões, apesar de no segmento do vestuário terem subido 8,2 por cento. Conforme refere o director-geral do Cenestap, "nos últimos três anos o número de postos de trabalho na ITV tem diminuído a uma taxa média anual de 5,7 por cento", taxa esta "superior à média anual dos últimos oito anos - menos 2,9 por cento". Manuel Teixeira avança com algumas causas para este acréscimo: "O volume exportado pelo sector da confecção tem diminuído, o que resulta numa libertação de mão-de-obra e no encerramento de empresas porque não foram capazes de alterar a sua oferta ou porque passaram a ser menos rentáveis em termos comparativos com outros países". Mas não só. "Num ambiente de forte concorrência e instabilidade nos mercados, as empresas da ITV de maior dimensão preferem reduzir custos fixos e subcontratar parte da produção", para além do "investimento em alta tecnologia" permitir que as empresas mantenham "os níveis de produção com menos recursos, sobretudo pessoal", acrescenta o responsável. Números que não causam, portanto, espanto no sector, até porque não faltam estudos que dão como certo o aumento do desemprego e a perda de competitividade caso os empresários da ITV não assumissem uma postura pró-activa. Para o presidente da Associação Portuguesa de Têxteis e Vestuário (APT), José Alexandre Oliveira, "não pode haver a intenção de que o têxtil vai continuar a ter a quota que tinha", recomendando, aliás, uma leitura do estudo realizado pela Kurt Salmon Associates e pelo BPI sobre o impacto, fortíssimo, da liberalização do comércio mundial de têxteis e vestuário, agendada para 2005, na indústria portuguesa (ver caixa). "Muito do que lá está [no estudo] passou-se", avançou.Questionado sobre se os industriais portugueses não tiveram em devida consideração o estudo e as recomendações nele constantes, José Alexandre Oliveira frisou: "A culpa não é só dos empresários, é também dos sindicatos e das entidades governamentais". Quanto ao futuro do sector, concretamente à capacidade de, antes de 2005, os empresários conseguirem pôr em marcha as reformas necessárias - promover "joint-ventures", apostar em marcas próprias e dotar os produtos de maior valor acrescentado - o presidente da APT, dada a actual situação geopolítica, desabafou: "Estou extremamente preocupado [referindo-se ao conflito no Iraque]. Como se costuma dizer, o que hoje é verdade, amanhã é mentira". Na mesma linha de raciocínio, o presidente da recém-criada ANIVEC/APIV - Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção, começa por adiantar ao PÚBLICO que, só nos últimos 15 anos, a ITV europeia "perdeu mais de um milhão de postos de trabalho". Para Fernando Aurélio, a actual situação fica a dever-se à "globalização da economia, à redução gradual das tarifas aduaneiras, ao 11 de Setembro, ao aumento do poder das multinacionais que pressionam os preços, à deslocalização e ao aumento do fornecimento proveniente do continente asiático". Mesmo assim, o líder associativo afirma acreditar, "convictamente, que Portugal é um óptimo produtor e exportador da ITV e vai continuar a sê-lo", frisando, no entanto, que, para tal, terá que apostar numa "cultura de valor, no desenvolvimento e concepção de produtos e em gestores qualificados". Mas não só, porque, salienta, a "produtividade, que está 60 por cento abaixo da média comunitária, tem que subir".Hoje, a China já é o exportador de têxtil e vestuário mais forte do mundo, seguindo-se-lhe a indústria italiana, a maior exportadora europeia - cerca de 28 mil milhões de euros. Segundo um estudo recente da Kurt Salmon Associates, a China e a Índia serão, depois da liberalização anunciada, os grandes fabricantes e exportadores de vestuário, sendo que o Japão assumirá idêntico papel na área dos têxteis. Teoria esta corroborada por um outro estudo, realizado pelo Centro de Estudos Prospectivos e Informações Internacionais, que avança que, após 2005, a produção de vestuário da China crescerá 70 por cento e da Índia 55 por cento, enquanto que a dos restantes países asiáticos em vias de desenvolvimento crescerá 26 por cento. Conforme afirmou o director da União Francesa das Indústrias de Vestuário, "a China e a Índia serão os dois grandes vencedores do fim das quotas".Realizado há três anos, o estudo da Kurt Salmon Associates e pelo BPI para a Associação Portuguesa de Têxteis e Vestuário continua a ser actual. O objectivo era avaliar o impacto da liberalização do comércio mundial de têxteis e vestuário, previsto parta 2005, na ITV nacional. Optando-se quer pelo cenário mais optimista - uma perda de 80 mil postos de trabalho e o encerramento de 734 empresas - quer pelo pessimista - 106 mil postos de trabalho e 826 empresas - o embate será violentíssimo. Para fazer face a tal impacto, eram avançadas três estratégias possíveis. A primeira, pró-activa, de reacção quer por via do desenvolvimento de planos estratégicos quer pela identificação dos pontos fortes e fracos. A segunda, de deslocalização, ou seja, de transferência da manufactura para países com baixos custos mantendo a estrutura empresarial em Portugal. A terceira, de continuidade. Mas nem só de ameaças falava o estudo, uma vez que também encontrava oportunidades na liberalização, concretamente a de exportar para novos mercados com um bom poder de compra e o intercâmbio comercial. O que só acontecerá se houver uma reciprocidade na abertura dos mercados e se forem cumpridas normas reguladoras. Caso contrário os países com menor valor acrescentado, como Portugal, serão os mais afectados.

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