Ausência de práticas religiosas pode estar a potenciar suicídio no Alentejo

O psiquiatra Francisco Alte da Veiga admitiu, no passado sábado, em Beja, que a falta de religiosidade dos alentejanos poderá, juntamente com o isolamento, estar na base das altas taxas de suicídio do distrito de Beja. O investigador, que falava no âmbito do III simpósio "Solidão e Melancolia", realizado pela Sociedade Portuguesa de Suicidologia, baseia-se nos dados que recolheu nos Censos 2001 relativos ao fenómeno. Alte da Veiga refere que é nas comunidades rurais com menos de dez habitantes e sem práticas religiosas que se verificam as taxas mais elevadas de suicídio. No distrito de Beja os aglomerados populacionais com estas características concentram 19 por cento dos habitantes. No concelho de Odemira sobem para os 26 por cento. Factores como a emigração, o envelhecimento da população e os índices de pobreza são comuns a outras regiões do país, não sendo, por isso, "condição suficiente para explicar o que se passa no distrito de Beja", observa. Outro psiquiatra que participou no encontro, Bessa Peixoto, defende também que as regiões de Trás-os-Montes e Alentejo "são em tudo semelhantes" nas condições sociais, económicas e demográficas. Diferem apenas num ponto: a religiosidade. Alte da Veiga recorda que a 60 quilómetros de Beja se encontra a região espanhola de Andaluzia, que regista as taxas "mais baixas de suicídios de toda a Espanha". Mas aqui, ao contrário do Alentejo, a prática religiosa "é muito mais elevada", e a população "menos dada à melancolia". Basta atentar no número de festas religiosas e profanas que ali têm lugar. Equanto nas regiões portuguesas norte e centro apenas cinco em 100 mil habitantes se suicidaram em 2001, no distrito de Beja 20 pessoas puseram termo à vida no mesmo período, nota. No litoral alentejano o número ascende a 28, e em Odemira mataram-se 50 indivíduos naquele ano.O norte do país é tendencialmente mais religioso que o sul, e o suicídio está interdito a quem professa a religião católica. Esta pode ser uma explicação para o fenómeno. Este princípio religioso "protege o crente da tentação", explica Alte da Veiga, acentuando ainda a importância do convívio proporcionado pela missa dominical e as festas religiosas. No entanto, o investigador considera ser necessário estudar melhor este factor. O suicídio no Alentejo tem-se mantido praticamente inalterado nos últimos 70 anos, diz Bessa Peixoto. Alte da Veiga reforça a ideia: esta tendência "atravessa a monarquia, a República, o Estado Novo, o 25 de Abril e a integração comunitária". Para este investigador, trata-se de "uma herança cultural profundamente enraizada". Também o desemprego e o analfabetismo "poderão estar associados" ao suicídio, mas "de forma moderada", admite. O impulso para o gesto derradeiro aumenta na Primavera, "quando o Inverno interior mais se intensifica", explica Carlos Malheiro, psiquiatra no Hospital de Évora.Segundo um estudo do departamento de Psiquiatria do hospital de Beja, de 1982 a 2001 puseram termo à vida, Baixo Alentejo, 1203 pessoas - ou seja, 63 por ano. Deste total, 931 eram homens e 272 mulheres. Odemira foi o concelho com maior incidência de suicídios, 320, seguindo-se Beja, com 171, e Serpa, com 123.Dos métodos utilizados para por termo à vida, o enforcamento surge à frente, com 550 casos, seguido do envenenamento, com 333, e do afogamento, com 277. O maior número de suicídios ocorreu em indivíduos com idade igual ou superior a 75 anos. Depois de ter registado um aumento dos suicídios nos anos 80 e no início da década de 90, a região viu o fenómeno decrescer, acabando por estabilizar no início do novo século.

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