António Quadros, um missionário da cultura

Há dez anos, ao raiar do dia, vítima de um tumor cerebral, morria em Lisboa António Quadros, um dos nomes mais emblemáticos da designada filosofia portuguesa e fundador do IADE, Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing. Filho de António Ferro e de Fernanda de Castro, António Gabriel de Quadros Ferro nasceu em Lisboa a 14 de Julho de 1947. Amigo pessoal de Salazar e director do Secretariado Nacional de Informação (SNI), o pai insiste que vá para Direito. O jovem António Quadros ainda lá andou um ano. Aborrece-se de morte e muda-se para o lado de lá da Alameda da Universidade, para Letras. Num depoimento dado ao PÚBLICO, em Julho de 1992, justificou o "salto": "O facto de conhecer muitos escritores, de ter uma boa biblioteca influenciou-me... A minha vida fazia-se em cafés, em tertúlias, era muito boémia."A 8 de Dezembro de 1947, casa com Paulina Roquette Ferro, ao mesmo tempo que escreve o seu primeiro livro, "Modernos de Ontem e de Hoje" (ed. Portugália). Desta união teve três filhos: António, Rita e Mafalda Ferro. Um ano depois forma-se em Histórico-Filosóficas, na Faculdade de Letras de Lisboa. A política não o atrairá - nem antes nem depois do 25 de Abril. A veia ensaística prossegue com "Introdução a uma Estética Existencial" (1954, Portugália). À época, de resto, os seus autores de eleição são Sartre, Camus e Merleau-Ponty. Porém, Delfim Santos, que tinha sido seu professor, aponta-lhe outros horizontes - Nietzsche, Kierkegaard, Kafka - e três autores oriundos do personalismo: Bergson, Gabriel Marcel e Jaspers. Pelo caminho, tenta a poesia com "Além da Noite" (1949, Parceria A.M. Pereira), género que retomou três anos depois com "Viagem Desconhecida" (1952, Portugália). Quatro anos depois, aparece "A Angústia do Nosso Tempo e a Crise da Universidade" (1956, Edições Cidade Nova), onde defende a necessidade de uma regeneração da vida cultural portuguesa, na esteira de Leonardo Coimbra e Sampaio Bruno. Ou seja, depois do existencialismo e do personalismo, abraça as ideias da Renascença portuguesa. Ao "Diário de Notícias", em Dezembro de 1991, Quadros justificou o seu novo trilho: "De longe, dos confins do ser português, eles trouxeram o facho, o mesmo que alguns de nós (e eu serei o último dos últimos) queríamos poder levar mais adiante... O espírito português, o espírito universalista português."Os anos 50 são decisivos para Quadros. Conhece Álvaro Ribeiro e José Marinho. Os dois animam uma tertúlia que, regularmente, se reunia no Paladium, Brasileira do Rossio ou na cafeteria Colonial. A seu lado estão nomes como Afonso Botelho, Orlando Vitorino e António Brás Teixeira, entre outros. Às vezes apareciam grandes nomes da poesia portuguesa como Jorge de Sena, Rui Cinnaty, José Régio, José Blanc de Portugal ou Natália Correia. Mas, também, o iconoclasta Almada Negreiros.Em 1958, fica ligado à fundação da Sociedade Portuguesa de Escritores, desmantelada pela PIDE, em 1961, na sequência da atribuição do prémio de literatura a Luandino Vieira. Com Branquinho da Fonseca e Domingos Monteiro, instalou o sistema de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian. E, em 1969, cria, visionariamente, o IADE, Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing. António Quadros multiplica-se, assim, entre a acção a reflexão. Com "Histórias do Tempo de Deus" (1965, Livraria Morais Editores) ganha o Prémio Ricardo Malheiros, da Academia de Ciências de Lisboa, e o Prémio de Novelística da Casa da Imprensa; com "Pedro e o Mágico - Contos para Crianças" (1972, Editorial Notícias), o Prémio Nacional de Literatura Infantil. Dez anos depois, seria a vez de ser atribuído o Prémio de Ensaio do Município de Lisboa a "Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista" (1982-1983, Guimarães Editores). Um dia, Afonso Botelho traçou-lhe outro retrato: "Quadros era o mais dinamizador e o mais produtivo. Mas nunca teve a pretensão de ser chefe-de-fila. Foi sempre um missionário da cultura." Uma missão que só ganharia sentido para António Quadros na incessante interrogação do mistério que era para ele Portugal. Para responder às palavras/questões iniciais de "Portugal - Razão e Mistério" (1986, Guimarães Editores), a obra-síntese de toda a sua obra de António Quadros. O autor planeava fazê-lo em três volumes. Apenas vieram a lume dois. A doença, primeiro, e a morte, depois, impediram-no de cumprir o plano.

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