Estaline: O ditador morreu, o mito continua vivo

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A morte de Estaline foi tão inesperada que os dirigentes soviéticos precisaram de vários dias para decidir o que fazer DR

José Estaline morreu em 5 de Março de 1953. A notícia da sua morte apanhou desprevenida a esmagadora maioria dos soviéticos. Cinquenta anos depois, na antiga URSS ainda há nostalgia pelo homem que chegou a governar metade do mundo.

O historiador russo Eduard Radzinski admite que Estaline tenha sido envenenado por alguns dos seus camaradas, que já não suportavam o terror e a insegurança que reinavam no país. No entanto, é difícil acreditar nesta hipótese tendo em conta o sistema policial totalitário criado na antiga União Soviética. O ditador não confiava em ninguém e, para garantir a fidelidade de homens tão próximos como Viatcheslav Molotov, ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS, ou Mikhail Kalinin, Presidente do Soviete Supremo da, enviou as esposas de ambos para campos de concentração.

Além disso, a morte de Estaline foi tão inesperada que os dirigentes soviéticos precisaram de vários dias para decidir o que fazer. O frio e calculista Lavrenti Béria, chefe da polícia política soviética, tentou chamar a si as rédeas do poder, mas, temendo a continuação ou até o aumento das repressões, Nikita Khrutchov, com o apoio de alguns dos seus camaradas e de militares influentes como o marechal Jukov, liquidou sumariamente Béria e deu início ao processo a que o escritor soviético Ilia Eremburgo chamou de "degelo".

Abriram-se as portas dos campos de concentração. Dezenas de povos, que foram deportados, puderam regressar às suas terras. O escritor Alexandre Soljenitzin, mais tarde Prémio Nobel da Literatura, publica o seu pequeno pequena, mas inolvidável romance "Um dia na vida de Ivan Denissov". No plano internacional, a URSS e os Estados Unidos enveredaram por aquilo a que se veio a chamar o "desanuviamento". O socialismo soviético parecia querer adquirir "rosto humano".

A desestalinização não chegou, todavia, ao fim. O "aparelho do partido", ou seja a burocracia comunista, temia pelo seu futuro. Em Outubro de 1964, Leonid Brejnev destrona Nikita Khrutchov do cargo de secretário-geral do PCUS e pôe fim ao tímido processo de democratização.

Este processo foi retomado apenas em 1985 por Mikhail Gorbatchov, dirigente comunista que começou tentou dar "rosto humano" ao socialismo soviético e acabou por constatar que o regime não era reformável. Em 1991, o comunismo foi derrubado na URSS, mas a herança estalinista continua ainda a fazer sentir-se em muitos cantos do mundo.

Pequenos e grandes "Estalines" continuam a aparecer ora aqui, ora acolá. Saparmurat Niazov, ditador vitalício do Turquemenistão, encena atentados à sua própria vida para depois liquidar a oposição, decide mudar os nomes dos dias e dos meses em sua honra. Kim Jong Il, a reencarnação norte-coreana do ditador soviético, ameaça o mundo com bombas atómicas. No território da antiga União Soviética, muitos os conflitos sangrentos que estão por resolver são devidos à "política nacional" do ditador. A guerra da Tchetchénia é o caso mais flagrante.

Os saudosos

Apesar de tudo, Guennadi Ziuganov, presidente do Partido Comunista, lamentou, numa cerimónia dedicada aos 50 anos da morte de Estaline, o facto de os soviéticos não terem sabido cumprir o seu testamento e terem permitindo "a desintegração da superpotência soviética".


O historiador russo Iuri Jukov, no livro "Mistérios do Kremlin", leva a tentativa de reabilitação do defunto ditador ao ponto de afirmar que "Estaline teria pensado liberalizar o regime, afastando do poder o partido bolchevique, convocando eleições alternativas e tomando medidas para o bem do país e do povo. Mas o aparelho adiantou-se e ele foi forçado a recorrer à repressão". Trata-se da repetição da velha tradição russa que "a culpa nunca é do czar, mas dos nobres".

Neste fundo ideológico, os comunistas tentam fazer regressar bustos e estátuas do ditador às praças de cidades russas. Em nome da "verdade histórica" e a pretexto da vitória sobre as tropas nazis, exigem a rebaptização do nome da cidade de Volgogrado para Estalinegrado. O Museu de História Contemporânea em Moscovo acaba de organizar a primeira exposição dedicada a Estaline desde 1956 - uma iniciativa que "interessa a todos mas não satisfaz ninguém", segundo a descrição de Annie Mancone, enviada especial do jornal francês "Libération".

A relação dos russos com Estaline continua a ser ambígua. Uma sondagem realizada em Fevereiro pela Fundação da Opinião Pública (FOp), indica que 36 por cento ainda consideram que as "boas acções" do ditador foram mais do que os crimes, embora 42 por cento continuem a associar Estaline ao Gulag.

"Estaline permanece um tirano", disse o director do FOP, Leonid Kertman. Contudo, "quando se interroga as pessoas sobre o lado positivo, elas citam a vitória na II Guerra Mundial [35 por cento], o desenvolvimento económico [22 por cento], a ordem [22 por cento] e os benefícios sociais [8 por cento]. A repressão é o único aspecto positivo que retêm, e vê-se que a lista de méritos é superior à das más acções."

Estes números são semelhantes aos obtidos o ano passado pelo Centro de Investigação Russa sobre a Opinião Pública (Vtsiom), que apontava para 38 por cento de opiniões favoráveis a Estaline (contra 26 por cento em 1994). "Sobretudo para os jovens, Estaline é um mito", disse Leonid Sedov, investigador do Vtsiom. "Ninguém fala dos crimes de Estaline nos jornais, poucos lêem estudos históricos e as massas não ouvem qualquer crítica de Estaline."

O actual Presidente, Vladimir Putin, não tem apoiado as iniciativas para fazer reviver o mito. "Podemos ser mal compreendidos", justifica. A maioria dos analistas crê, porém, que só um aumento do bem-estar das populações, a democratização de todos aspectos da vida na Rússia e noutras repúblicas da antiga URSS poderão sepultar definitivamente o fantasma do estalinismo.

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